Direção: Jeremy Gillespie, Steven Kostanski
Roteiro: Jeremy Gillespie, Steven Kostanski
Elenco: Aaron Poole, Ellen
Wong, Kathleen Munroe, Kenneth Welsh, Art Hindle, Stephanie Belding, Daniel
Fathers, James Millington, Dennis Nicomede, Mark Fisher, Amy Groening, Evan
Stern, Trish Rainone, Grace Munro, Mik Byskov, Keith Bowser, David Scott,
Janine Davies, Jason Detheridge.
Gênero: Terror
Duração: 90 minutos
País: Canadá / Estados Unidos
Jeremy Gillespie e Steven Kostanski são dois jovens diretores conhecidos pelas colaborações com Guillermo Del Toro em filmes como “Pacific Rim” (2013) e “The Shape of Water” (2017), tendo trabalhado no departamento de arte e maquiagem dos filmes como segundo assistente. Além deste, um dos trabalhos mais recentes e aclamados da dupla é o novo “IT” (2017), sendo que o primeiro trabalhou no departamento de arte, e o segundo, no de maquiagem. São dois novatos muito talentosos dentro de seus ramos e são fãs assumidos de horror, por isso mergulham de cabeça neste que é seu primeiro e mais íntimo projeto que nada mais é do que uma homenagem ao horror oitentista feitos por diretores como Canperter, Clive Barker e até mesmo pelo mestre italiano Lucio Fulci. As homenagens, no entanto, não param por aí, como poderão ver nos parágrafos seguintes.
Os diretores não perdem tempo já
iniciando a trama mostrando um assassinato brutal a sangue mais do que frio – diria
quase congelando. A câmera mostra duas pessoas tentando fugir de uma casa,
sendo que uma delas consegue, o rapaz, e a outra, uma garota, é brutalmente assassinada por
duas pessoas, Vincent (Daniel Fathers) e seu filho (Mik Byskov), que não
bastassem meterem bala contra a moça, ainda ateiam fogo. Toda cena é observada
por pessoas encapuzadas vestindo branco com um símbolo negro de um triângulo no
centro do capuz que lhes cobrem o rosto. Logo após, o policial Daniel Carter
(Aaron Poole) em patrulha numa rodovia, percebe um rapaz, aparentemente drogado,
tentando sair do meio dos arbustos. Ele o autua para então mostrar ao público
que o rapaz na verdade é o que conseguiu fugir da casa, seu nome, descobre-se mais
adiante, é James (Evan Stern). Como o rapaz está muito debilitado e com marcas
nos braços e com quase zero de reação, o policial resolve levá-lo até o hospital
mais próximo, que é onde acontece toda a ação.
Estando neste hospital, a enfermeira Allison
(Kathleen Munroe) o recebe e o ajuda a levar o rapaz até um quarto para ser
atendido. Então mais personagens são apresentadas, a estagiaria Kim (Ellen Wong),
o médico Richard Powell (Kenneth Welsh), um avô na sala de espera com sua neta
grávida, aparentemente em trabalho de parto, Ben (James Millington) e Maggie
(Grace Munro). Após a primeira morte – extremamente sangrenta,
diga-se de passagem – e alguns outros problemas, pai e filho, que foram
apresentados lá no início da história, chegam completamente malucos com uma
espingarda e sedentos de raiva à procura do rapaz que tinha fugido havia pouco.
Daniel então percebe que está sem comunicação com a central para então o sangue
e as bizarrices começarem a acontecer de fato. O que se cria a partir disso é
uma história claustrofóbica onde não há para onde ir, nem a quem recorrer,
pois, além de estarem sem comunicação, esses membros encapuzados de uma seita
macabra fecham o cerco contra o hospital impossibilitando aqueles que ali estão
de fugir. É o famoso “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, pois além
disso tudo, ainda há coisas estranhas e enigmáticas, além das mortes violentas,
acontecendo dentro local. Não há saída, literalmente.
O filme não possui muitas personagens,
é um elenco enxuto, principalmente em vista do baixo orçamento do qual a
produção se dispunha. Desses personagens, pode-se dizer que nem um é
tridimensional; no entanto tal exigência não faz sentido em um filme B como
este ou em qualquer outro filme B que se preze de qualquer época – diria
principalmente os da década de oitenta. Este não é um filme da Nouvelle Vague
ou do Neorrealismo italiano. Personagens não tão bem desenvolvidos sempre
existiram neste gênero, vide a esmagadora maioria dos que foram feitos na época
a qual “The Void” se propõe a homenagear. Sim, é um problema, mas um problema que em filmes
assim dá para relevar, principalmente quando em questão o
roteiro é bem amarrado de modo que consiga desenvolver as situações nas quais
esses personagens estão inseridos sem deixa-los cair na repetição e no marasmo.
Aqui um ponto puxa o outro e a história se desenrola levemente.
Ainda com pouco desenvolvimento de
personagens, estes possuem uma quantidade considerável de humanidade e por isso
fazem com que o espectador consiga, até certo ponto, relacionar-se com alguns
deles. Isso acontece porque são problemas reais pelos quais eles passam, como
por exemplo o policial que tenta seguir os passos do pai e não tem uma boa relação
com sua esposa, enfermeira do hospital, para que mais adiante se descubra que esse
relacionamento desgastado acontece por causa de uma perda que ambos tiveram,
mas que parece tê-la afetado mais; a estagiária preguiçosa e pouco voluntariosa;
a garota grávida esperando para ser atendida. São coisas mundanas que acontecem
todos os dias na vida da maioria das pessoas. Essa parte da carga dramática
real conferida a esses personagens ajudam a desenvolver um senso de empatia
através do qual fará com que se crie um “engajamento” que é muito
importante em filmes assim.
Boa parte das atitudes desse grupo de
pessoas ajuda a tocar a trama adiante, e isso é bom para a fluidez, pois passa
a sensação de progresso e de que essas personagens são importantes para a
trama. Nesse ponto, há a cena na qual a estagiária ajuda a guiar Daniel e os
outros três nos corredores subterrâneos do hospital. Se não fosse por ela, eles
não teriam descoberto uma misteriosa escadaria. Portanto, dentro de suas limitações,
o que se vê é o típico desse tipo de produção, e os personagens, embora nada
brilhantes e um pouco estereotipados, possuem um nível de contribuição
necessário para o desenvolvimento.
Os efeitos e maquiagem merecem ser
parabenizados e ressaltados também. Apesar do baixo orçamento, os jovens
diretores não pouparam esforços para entregar uma obra recheada de gore e
nojeiras, além, é claro, de excelentes efeitos especiais referentes ao terceiro
ato. É um trabalho de dar orgulho. Orgulho este, aliás, que Clive Barker deve
ter sentido ao ver o “monstro” em carne viva que muito se assemelha a Frank de
sua obra máxima.
Os dois jovens diretores se propõem a
homenagear alguns nomes importantes do gênero nesta que é sua primeira produção,
e acertam em cheio ao conseguir fazê-lo de modo que soe natural, fazendo-o
caminhar com suas próprias pernas sem que pareça apenas mais um emaranhado de
referências avulsas. O horror lovecraftiano que permeia toda a obra e é
enfatizado no terceiro ato é um elo com a atmosfera e referências ao cinema do
mestre Carpenter, e tudo isso se liga bem com a proposta de fazer um horror
cósmico e de seita cheio de mistério. Há uma boa dose, por exemplo, de “The
Thing” aqui, encontrada principalmente nas pessoas que se transformam naquelas
criaturas com “tentáculos” que saem pelos orifícios, remetendo às
transformações apresentadas por Carpenter em sua ficção, além, claro, da
própria trilha sonora.
Não é um filme, no entanto, com
grandes pretensões, e se você é um daqueles que acompanhou parte da divulgação
do longa à época, ou que apenas assistiu ao trailer, verá que os diretores
entregam aquilo que prometem, sem mais nem menos. Claro, isso não é garantia de
que vá agradar a todos, na verdade a proposta é bem o oposto disso. O longa
chegou relativamente a dividir um pouco algumas opiniões até mesmo dentro dos
apreciadores do gênero, alguns amaram – como é o meu caso –, outros já não
gostaram tanto assim, embora ainda tenham gostado. Para uma melhor apreciação,
o importante – que aliás, é o essencial a se fazer sempre e com todos os filmes
– é tentar entender sua proposta e então comprá-la, deste modo, o filme sendo
bem-feito do jeito que é, provavelmente irá agradar a uma boa parcela daqueles
que o assistirem.
Dito isso, “The Void” é um delicioso
culto às entidades ancestrais cósmicas cuja trama claustrofobicamente bem
amarrada faz homenagens sem que as deixe cair na repetição, sendo repleta de
nojeiras e gore de excelente qualidade, além do fato de que levanta mais
questionamentos do que respostas, abrindo um leque de opções para a mente
daqueles que gostam de brincar de criar teorias e interpretações.