Dentre as várias combinações possíveis de filmes com temáticas semelhantes para uma boa sessão dupla, esta é, de longe, uma das minhas preferidas – se não for a preferida. Nessa dobradinha, os filmes falam sobre amizade, lealdade e crescimento. São obras, principalmente o segundo, com tantas camadas que daria para destrincha-las em diversos textos diferentes, cada um explorando um tema específico – o que, talvez, aconteça no futuro. O objetivo aqui, no entanto, é apenas apresenta-los àqueles que ainda não os conhecem e sugerir uma proposta de sessão que fará cada minuto gasto valer a pena.
Ambos os filmes pertencem à categoria Coming-of-Age, que abarca histórias sobre o crescimento pessoal de jovens, mostrando a transição da infância para adolescência ou da adolescência para a fase adulta. Mesmo que as duas obras retratem jovens enfrentando desafios e aprendendo sobre si mesmos no processo, as abordagens de cada uma são diferentes, o que reflete formas distintas de crescimento e amadurecimento.
“Os Goonies”, dirigido por Richard Donner e produzido por Steven Spielberg, opta por um caminho repleto de ação e aventura, acompanhando um grupo muito unido de crianças que tenta salvar suas casas da demolição por uma grande empresa, que deseja comprá-las para construir um projeto de expansão imobiliária na cidade de Astoria, no estado de Oregon. No sótão da casa de uma das crianças, elas encontram um mapa que as leva a uma caça ao tesouro, com o objetivo de, ao encontrar o tesouro, evitar a venda de suas casas e, assim, não se separarem.
O processo de amadurecimento aqui é retratado de forma lúdica e heroica, com os personagens enfrentando todos os tipos de dificuldades, sejam pessoais – como o desejo e dificuldade do primeiro beijo, por exemplo – ou não. Eles são forçados a se unir nessa jornada onde enfrentam grandes perigos e riscos, que os levaram a descobrir segredos e, no meio disso tudo, a crescer.
A narrativa é voltada para a comédia e aventura, com personagens caricatos e exagerados – no melhor sentido das palavras – e o amadurecimento é simbolizado pela superação dos obstáculos e dificuldades que enfrentam na jornada, que os leva a correr riscos de vida em busca do tesouro. Ou seja, há o desenvolvimento tanto físico quanto emocional, à medida que superam medos e inseguranças, e a busca pelo tesouro representa exatamente isso, ilustrando o caminho percorrido da infância para a adolescência. E todo esse processo é mostrado na tela de forma externa e visível, acontecendo por meio do trabalho em equipe das crianças e pela ação e pelos riscos que correm na aventura, nas quais elas, inicialmente desorganizadas e com muitas dúvidas, conseguem, aos poucos, avançar nos objetivos e, consequentemente, em uma nova fase de suas vidas.
É um filme repleto de ação, com ritmo frenético de perseguição e perigo, com muito humor e comédia, com uma atmosfera leve característica desse tipo de produção.
“Conta Comigo”, adaptação do conto “O Corpo” do mestre Stephen King, por sua vez, escolhe outro caminho, com uma abordagem completamente diferente: é uma história muito mais introspectiva e sensível sobre amizade e a perda forçada da infância. O filme segue quatro garotos em uma jornada para encontrar o corpo de um menino desaparecido na linha de trem. O foco aqui não está na ação e no heroísmo, mas nos diálogos e nas relações pessoais e interpessoais dos personagens, em que cada um possui suas próprias e complexas questões familiares e pessoais, que são cuidadosamente exploradas ao longo da jornada.O amadurecimento, portanto, está mais relacionado ao confronto que os meninos têm com a realidade e à perda da inocência resultante disso. Eles estão em um momento de transição, onde as preocupações típicas da infância dão lugar a questões muito mais sérias, como, por exemplo, a morte, a separação dos pais, a agressão, abuso e as dificuldades da vida de modo geral, mais relacionadas a pessoas que se encontram à margem da sociedade. Esse é um dos grandes contrastes com “Os Goonies”; aqui, em vez de uma grande aventura repleta de ação, o processo é silencioso, introspectivo e mais sutil, marcado tanto pela reflexão quanto pela percepção de que a infância está iminentemente próxima do fim.
Embora seja um filme com um tom mais sério, ele não deixa de ser divertido. Os personagens são únicos, e cada um possui características de personalidade bastante distintas – é aqui que há um ponto de conexão entre os dois filmes. A interação entre eles e a forte amizade que compartilham proporcionam momentos realmente gostosos de assistir. Além disso, a tensão construída tanto pelos desafios internos quanto pelos externos – a cena do trem na ponte é antológica – contribui muito para isso.
As diferenças entre ambos, portanto, estão no fato de que, enquanto “Os Goonies” representa o crescimento por meio de uma aventura exterior, priorizando o visual, o crescimento então ocorre justamente pela ação e pelos perigos envolvidos nessa jornada, onde os personagens terão de superar desafios físicos e imediatos. “Conta Comigo”, por outro lado, deixa esse imediatismo de lado e reflete uma jornada interna, onde os meninos terão de confrontar a realidade de suas vidas de maneira dura e cruel, com pitadas de pessimismo e com diálogos comoventes. Ou seja, enquanto o primeiro é mais leve, lúdico, heróico, fantasioso – no bom sentido – e dinâmico, o segundo é mais silencioso, introspectivo, doloroso, verdadeiro, um pouco pessimista e muito marcado pela dura realidade de perder a inocência em meio a um ambiente hostil.
São propostas distintas, com abordagens completamente diferentes, e são deliciosos de assistir juntos. A ordem apresentada aqui é a que escolho para assisti-los pelo menos uma vez ao ano em uma sessão dupla: começa com um carinho no rosto e termina com um soco no estômago. São dois dos meus preferido sobre o tema.