domingo, 23 de dezembro de 2018

House of the Dead (Alien Zone, 1978)




Diretor: Sharron Miller.
Roteirista: David O'Malley.
Elenco: John Ericson, Ivor Francis, Judith Novgrod, Burr DeBenning, Charles Aidman, Bernard Fox, Richard Gates, Elizabeth MacRae, Linda Gibboney, Leslie Paxton, John King III, Bo Byers, David O'Malley, Robert Telford, Michael Colley.
Gênero: Horror.
País: Estados Unidos.

É normal que alguns filmes acabem trocando de título durante sua produção, o que não é normal é quando tal mudança acontece frenética e desenfreadamente. Aqui, resolveram simplesmente mudar o título nada mais nada menos do que quatro vezes! O roteiro foi originalmente intitulado "Five Faces", mas acabou mudando para "Five Faces of Terror" durante a produção. Então o filme foi lançado e desta vez foi o distribuidor que resolveu que o nome não estava muito bom, mudando-o para “Alien Zone”, título pelo qual, aliás, a obra é mais conhecida. No entanto, este não é seu título definitivo. Posteriormente, e desta vez definitivamente, a obra acabou sendo intitulada de "House of the Dead". O diretor, que não deve ter ficado muito satisfeito com todas essas mudanças, é o estreante Sharron Miller, que guia o filme em quatro curtas histórias cujas premissas envolvem o comportamento humano. 


 
A história se inicia com Talmudge (John Ericson que pouco mais de uma década atrás atuou no divertidíssimo “As 7 Faces do Dr. Lao”, em 64; algumas pessoas talvez se lembrem dele) e sua amante na cama. Após alguns minutos de diversão, Talmudge sai, bem no meio da noite, para voltar ao seu apartamento para dar satisfações a sua esposa preocupada sobre o porquê de sua demora – óbvio que o pilantra ia mentir –, mas o que acontece é que o motorista do táxi o deixa, por algum motivo, em um bairro desconhecido. Perdido e sob uma intensa chuva, ele acaba se refugiando num misterioso local no qual o proprietário além de ali morar, também toca seus negócios. O proprietário (Ivor Francis) não tem seu nome revelado durante a história, mas seu negócio é uma espécie de funerária, ele próprio se auto intitula como um agente funerário, o que por si só já é uma pista do rumo que a história pode tomar.

Talmudge diz ao senhor que precisa ir embora mesmo que de baixo de chuva, mas é convencido do contrário para que possa conhecer um pouquinho seu estabelecimento e seu trabalho. O homem é convidado a entrar numa sala cheia de caixões entre os quais caminham enquanto o agente funerário seleciona alguns daqueles para contar-lhe suas histórias. O filme é uma antologia, algo que soa interessante a princípio principalmente pelo fato de que neste início remete um pouquinho aos filmes da britânica Amicus. Ao todo são quatro caixões, ou seja, quatro mortos e suas respectivas histórias horripilantes.

O primeiro segmento é sobre a senhora Sibiler (Judith Novgrod), uma professora que, por mais irônico que possa parecer, é uma mulher que não gosta de crianças. Ao chegar em casa após um dia muito ruim, nada lhe passa pela cabeça que não relaxar um pouco e esquecer os problemas. Então ela tenta colocar-se o mais confortável possível, ligando música em seu rádio e preparando um banho que posteriormente acaba sendo interrompido por barulhos e um vulto que é possível ser visto adentrando o banheiro. Há um invasor na casa e ele passa a brincar com sua sanidade mental. Claro que a moça toma a decisão mais sensata que uma pessoa pode tomar nessas situações. Ela sai de casa e vai à procura de ajuda? Claro que não! Muito melhor, ela própria sai andando pelos cômodos, assustada, a procura do invasor enquanto se certifica de que todas as janelas e portas estão bem trancadas (!!!). É a melhor decisão possível, trancar-se em casa sabendo que possivelmente há um bandido ali, escondido em algum lugar apenas esperando uma brecha. Alguns instantes após algumas dessas melhores decisões, sem muitas delongas o invasor se mostra, e surpreendentemente (ou não) o invasor na verdade são crianças que não tardam em colocar em prática seus planos. 

 

É uma história que tinha potencial, mas é completamente jogada no lixo porque não há tempo para seu desenvolvimento, além do fato de que a estrutura narrativa ali é inexistente. Não há uma introdução do motivo que a levou a odiar as crianças e muito menos há um desencadeador que leva as coisas a acontecerem daquela maneira. As coisas simplesmente acontecem. Simples assim. A mensagem é clara, afinal o que as crianças intentam fazer com a moça é o que a moça fazia contra elas (guardando as devidas proporções, obviamente) diariamente na escola. No entanto, mesmo com essa mensagem bastante clara, há uma pequena reviravolta ali no meio que não faz o menor sentido dentro daquele contexto já estabelecido, pois coloca em questionamento a natureza de certas coisas que já foram predeterminadas.

Para uma antologia dar certo, um dos principais fatores é tentar cativar o público logo com a primeira história, prendendo-o no sofá para que siga curioso e instigado a chegar ao fim, mas o que acontece aqui infelizmente é o oposto disso. Passar desta primeira parte já é uma dificuldade tremenda.

Já o segundo consegue ser ainda pior e mais vergonhoso. Growski (Burr DeBenning, que os fãs de horror devem se lembrar de seu papel como Dr. Ted Nelson no excelente “O Incrível Homem Que Derreteu”, de 77; ou do seu papel em “A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy”, 89) é um fotógrafo com um gosto bastante doentio: ele convida mulheres a irem a sua casa para filmá-las através de uma câmera escondida enquanto as mata. Não há muito o que dizer deste, pois a história só se mantém assim, repetitivamente. Aqui apenas três vitimas são mostradas e são mortas das piores maneiras possíveis – isso não é um elogio –, sendo uma delas enforcada com as próprias meias. No intervalo entre uma vítima e outra é mostrado esse homem sendo preso em meio a várias câmeras e repórteres de diferentes veículos de informação, ou seja, agora quem se encontra em frente as câmeras numa situação ruim é ele, e não mais as garotas. 


 
Ambos os segmentos brigam para decidir qual é o pior. Assim como o primeiro, não há história aqui, apenas um esboço que mais parece ter saído do lixo de um escritor frustrado. As mortes são vergonhosas, as atuações, idem, e sequer há um nível mínimo de divertimento com as já citadas poucas mortes, pois não há uma gotinha de sangue sequer, são todas as mortes extremamente discretas e não são bem mostradas. Assim como seu predecessor, o desenvolvimento aqui também é inexistente. Simplesmente não há. Mostrar pessoas entrando na casa, sendo mortas, e entrando gente nova que também será morta não é uma história. Talvez tenha faltado criatividade ao roteirista, ou talvez seja apenas um enchedor de linguiça para não deixar o filme muito mais curto do que já é. Ou a minha hipótese preferida: os dois ao mesmo tempo. 

Bom, após dois fiascos monumentais, talvez o terceiro segmento eleve um pouco a qualidade da fita, certo? Errado! Ou melhor, talvez - logo você vai entender o que quero dizer com esse "talvez". Este, que é o mais longo de todos, conta a história de dois detetives, os melhores de seus respectivos países, detetive estadunidense Toliver (Charles Aidman) e o britânico da Scotland Yard, Inspetor McDowal (Bernard Fox, que teve um breve momento de fama no filme “Titanic”, de James Cameron). Este segmento teve o que os anteriores não tiveram: tempo para seu desenvolvimento. A qualidade deste então sobe um pouquinho de patamar, o que, tendo os anteriores como parâmetro, também não é um elogio. Apesar de possuir alguns elementos interessantes, ainda se mostra fiel ao baixo padrão estabelecido. O que o torna menos ruim, dentre algumas coisas, é que neste há reviravoltas relativamente interessantes. Uma delas pode pegar de surpresa os mais desavisados. No entanto, não há muito o que dizer da trama por também ser bastante simples, resumindo-se a uma investigação feita pelo detetive americano, que é acompanhado de perto pelo britânico para tentar apurar as origens de uma carta misteriosa que o primeiro recebe enquanto está num restaurante; além de mostrar a rivalidade que se estabelece entre os dois no decorrer do segmento. Longos e enfadonhos diálogos ditam o fluxo aqui, que culmina num final que, apesar das reviravoltas, não consegue se sustentar após períodos sem muita inspiração. 
 


O quarto e último, como já esperado, segue no mesmo baixo nível. Conta a história de um homem que apenas se preocupa com seu trabalho e nada mais, e justamente por isso acaba tratando muito mal todos a sua volta. Certo dia, após recusar a proposta de seu amigo de sair para comer um hambúrguer após o trabalho, no caminho para casa acaba parando, por alguma razão, num prédio aparentemente baldio onde coisas estranhas começam a acontecer; ele cai no poço do elevador e quase é esmagado pelo mesmo, além de uma parede com pregos também quase o perfurar etc. Após tais episódios de natureza um tanto quanto estranha, tendo passado pelo pior dia de sua vida, ao sair do prédio, já no dia seguinte, as coisas não melhoram: todo maltrapilho, acaba sendo tratado pelas pessoas na rua da mesma maneira como ele próprio as tratava no seu dia a dia.  


   
Basta ter apenas meio neurônio funcionando para entender que todas essas histórias contadas pelo anfitrião e agente funerário tem apenas um propósito, que é passar uma lição de moral ao homem que está ali presente. Remete um pouquinho – ao nível de história – à franquia “Jogos Mortais”, cujos personagens morrem de acordo com aquilo que eles praticaram durante sua vida; e também com os filmes da Amicus, cujas antologias sempre apresentavam um anfitrião que guiava seus convidados entre histórias que no fim sempre levava a um propósito bastante claro relacionado a esses convidados. A diferença deste para com os da Amicus é que os desta produtora britânica os filmes são infinitamente superiores, em todos os aspectos.

Talvez um dos motivos pelos quais o filme tenha se tornado esse fiasco seja pelo fato de que seu roteirista, David O'Malley, tenha-o escrito durante suas férias. Talvez tenha dedicado mais do seu tempo livre a se divertir do que a escrever (justo, afinal o filho da mãe estava de férias!). Vai saber. Ou talvez não souberam, todos os envolvidos, lidar com o baixo orçamento, estimado em cerca de 350 mil dólares apenas. Se for este o caso, então fica evidente a falta de talento, tendo em vista que vários diretores mundo afora souberam fazer muito com orçamentos até menores, como é o caso de Ib Melchior em “The Time Travelers” (1964).

Boa parte (para não dizer todos) do elenco também não se sai bem. Maioria dos atores e atrizes não era muito experiente, e isso se deve ao fato de que quase todos foram escolhidos porque o diretor já os conhecia da escola de atuação de Los Angeles, na Califórnia, onde estiveram juntos, e não necessariamente por serem talentosos. É o famoso caso do empregador contratando amigos apenas por serem amigos. Tudo bem que numa bagaceira dessas são dispensados grandes atores e atrizes, o mínimo seria incentivar cada um a dar o seu melhor. O trabalho de um diretor é também dirigir o elenco, e mais uma vez ele se mostrou incapaz.


 
Além das mudanças que o título do filme sofreu durante a produção, partes envolvendo o segundo segmento também sofreram mudanças, sendo uma dessas mudanças a retirada de comentários que satirizavam o ex-presidente Richard Nixon, o único presidente da história dos Estados Unidos a renunciar o cargo, isso no ano de 1974, por causa dos escândalos do Watergate. Escândalo ocorrido no complexo de edifícios que leva o mesmo nome, que em 1972 foram descobertas pessoas, contratadas pelo comitê de releeição do próprio, implantando microfones e roubando documentos do escritório do Partido Democrata. Bom, este não é o assunto apropriado para se alongar aqui, portanto o parágrafo extremamente resumido sobre o ocorrido é importante apenas para contextualizar aqueles que ainda não conheciam esse fato, devido a essa curiosidade envolvendo essa segunda história. Agora, o motivo que levou a retirada desses comentários satíricos continua uma incógnita. Talvez não quisessem misturar política no meio e tornar o negócio ainda pior.

Como fã de podreira, poderia até dizer que, apesar dos pesares, o filme vale uma conferida, mas infelizmente isso não vai acontecer. É filme para ser visto apenas uma vez caso a curiosidade bata e olhe lá. O filme não diverte e não têm sequer uma gota de sangue derramada para satisfazer os gostos dos sedentos por esse líquido denso, viscoso e vermelho. Quer dizer, a roupa de um senhor mancha-se de sangue enquanto é morto em um dos segmentos, mas é tudo tão pífio que não vale a pena mesmo. Caso a curiosidade bata, assista e tire suas próprias conclusões (filme completo e sem legenda abaixo), afinal é disso que se trata, certo? 


domingo, 12 de agosto de 2018

Passagem para o Futuro (The Time Travelers, 1964)






Direção: Ib Melchior
Roteiro: Ib Melchior, David L. Hewitt
Elenco: Preston Foster, Philip Carey, Merry Anders, John Hoyt, Dennis Patrick, Joan Woodbury, Delores Wells, Steve Franken, Berry Kroeger, Gloria Leslie, Molly Glessing, Peter Strudwick, J. Edward McKinley, Margaret Seldeen, Forrest J. Ackerman
Gênero: Ficção Cientifica
Duração: 82 minutos
País: Estados Unidos




Fleming descobriu a penicilina por acidente. Roentgen, os raios X. E nós... O fim do mundo.

Ib Melchior é um diretor com apenas dois filmes em sua curtíssima filmografia. O primeiro é o bom sci-fi "The Angry Red Planet", de 1959, e o outro, é este, "The Time Travelers", que veio 5 anos depois. Como roteirista, no entanto, sua filmografia se revela mais extensa. Coescreveu, por exemplo, "Live Fast, Die Young", em 1958, juntamente com Allen Rivkin; em 1961, o filme "Reptilicus" junto com Sidney W. Pink; em 1962, o filme "Journey to the Seventh Planet"; e em 1964, o filme "Robinson Crusoe on Mars"; dentre outros.  O diretor que também assina o roteiro, trabalha nesta sua última empreitada, como o próprio título do filme sugere, o tema viagens através do tempo. É um filme B de baixíssimo orçamento extremamente divertido e muito bem dirigido, com cenas que possuem planos longos muito bem desenvolvidos e uma história que, se peca pelos clichês e por algumas conveniências, acerta na criatividade e fluidez.  



Um grupo de cientistas, liderado pelo Dr. Erik von Steiner (Preston Foster), está estudando os conceitos da viagem através do tempo no laboratório da universidade onde trabalha. Eles desenvolveram uma máquina capaz de realizar tais viagens, no entanto ainda está em fase primária de testes, testes estes, aliás, que não vem apresentando bons resultados já há algum tempo, para a tristeza dos cientistas. Sem desanimar, no entanto, o grupo continua com o experimento até que Dr. Steve (Philip Carey) percebe que pode haver um meio de fazê-la funcionar, mas é um meio um tanto quanto perigoso, pois, se falhar, a máquina pode sofrer danos irreversíveis. Sendo então a única maneira de conseguir êxito, Steve (um pouco inconsequente diante de tais fatos - ou não?) acaba pondo o plano em prática, forçando a máquina até o ponto em que acontece o óbvio. A máquina sofre alguns problemas que, por coincidência (!!!), acaba gerando um resultado bastante interessante e imprevisível naquele momento, eles são levados a 107 anos no futuro para descobrirem que o planeta foi devastado e já não mais existe como antes. Essa imagem do futuro é projetada  numa espécie de tela gigante fixada na parede do laboratório.

Um empregado da universidade, Danny (Steve Franken), bastante curioso, acaba percebendo que aquilo é muito mais do que apenas uma imagem projetada na parede, aquilo é, literalmente, uma passagem. Óbvio que ele iria atravessá-la! Dentre todos os riscos, o pior é o de a passagem fechar deixando-o preso para sempre do outro lado. Eis então que um efeito cascata ocorre, Dr. Steiner sai a sua procura, seguido por Steve e por Carol (Merry Anders) (uma atitude bastante inteligente para um grupo de cientistas, não?). Claro que o resultado não poderia ser outro, a passagem, após todos terem a atravessado, enfraquece e desaparece, deixando-os presos do outro lado. 



 
Perdidos, os três passam a ser perseguidos por criaturas deformadas bastante hostis (criaturas estas que lá na frente descobre-se que são mutantes gerados a partir da radiação deixada pelas guerras nucleares pelas quais a Terra havia passado). Durante a fuga acabam encontrando Danny, que os ajuda a chegar a uma caverna  no pé das colinas que os rodeiam. No entanto encontram outras criaturas tão feias quanto que os encurralam. A tensão se estabelece por alguns instantes, pois, sem ter para onde ir, não há mais nada a se fazer. É então que súbitamente aparece a Dra. Gadra (Joan Woodbury), uma das cientistas remanescentes do planeta que logo trata de acalmá-los para então explicar-lhes que aqueles são apenas seus inofensivos androides e que, apesar da aparência assustadora, não são nada perigosos.

Sem muitas delongas, os quatro são levados a conhecer seu líder, Dr. Varno (John Hoyt), que, numa conversa bastante franca, conta que ele e seu grupo, Dra. Gadra, Dr. Willard (Dennis Patrick) e cia possuem um projeto no qual estão trabalhando para poderem sair do planeta Terra devastado para outro planeta fora do sistema solar com condições parecidas  com as que a Terra tinha anteriormente, completamente capaz de abrigar vida. Questionados sobre a Terra devastada, Varno bem brevemente explica que o próprio ser humano causou aquilo através de anos e mais anos de guerras nucleares.

Os filmes são um retrato de seu tempo. Alguns em maior grau, outros em menor. Na década de cinquenta e sessenta, principalmente na de cinquenta, uma forte tensão causada pela guerra fria colocava as pessoas sob uma grande incógnita. Enquanto passavam os dias temendo uma possível guerra causada pelas tensões entre Estados Unidos e União Soviética, muitos questionamentos vinham às suas mentes, sendo o principal o que poderia acontecer caso uma guerra dessas se concretizasse. Muitos filmes surgiram a partir disso, e em pleno 1964 também se pode usar dessa abordagem como uma interpretação. E aqui o diretor deixa bastante claro sua intenção de mostrar os efeitos maléficos e extremamente destrutivos que guerras, principalmente as nucleares, podem causar ao planeta e seus habitantes, deixando uma mensagem de alerta a todos.



Outro ponto interessante é com relação aos mutantes, que estão em constante briga com os cientistas remanescentes do planeta. Briga que tem durado anos a fio e que aparentemente não terá fim enquanto ambos ainda estiverem no mesmo planeta. São vistos pelos olhos dos cientistas que restaram como os vilões, como algo a ser destruído. No entanto, algo acontece lá para o meio do filme que coloca esses mutantes sob outra perspectiva. Quando da invasão da base, um mutante é encontrado pela Dra. Carol que, ao perceber que ele é o contrário do que todos diziam, mostrando-se um mutante inofensivo e assustado, tenta então ajudá-lo, o que causa um pequeno confronto contra os outros cientistas da base que insistem em dizer que ele deve ser exterminado, pois, mesmo sendo até mesmo entre os mutantes um ser de pouca relevância, por ser diferente dos outros, ainda assim é um ser deles e merece ser morto, afinal ele não pertence àquele grupo e veio de fora. Carol é a primeira a questionar tais atitudes, afinal, apesar de mutantes, ela ainda os vê como seres humanos. A fato de a radiação tê-los deformando não muda este fato. Tão prontamente ganha respaldo dos amigos que dizem “se ele precisa ser morto por ter vindo de fora, seguindo esse raciocínio, então nós somos os próximos na lista?”. É aqui que o público é pela primeira vez levado a se questionar sobre quem de fato são os verdadeiros vilões.



Em meio a tudo isso, Danny, o ajudante dos cientistas é o alívio cômico que infelizmente não se mostra funcional à história. Percebe-se que está ali apenas por dois motivos, para ser o desencadeador dos acontecimentos – nada do que se vê em tela teria acontecido se o imbecil não tivesse sido imprudente o bastante para atravessar o portal – e ser engraçadinho em momentos pontuais com o intuito, infelizmente falho, de quebrar a tensão. São poucos esses momentos, mas esse pouco não é bom o suficiente como o diretor talvez tenha imagino que poderia ser e por causa disso acaba atrapalhando. Esse personagem, aliás, protagoniza um dos momentos mais constrangedores de todo o filme, quando se vê sob o interesse de uma das mulheres do setor de construção e manutenção dos androides. Há inclusive uma quebra da quarta parede totalmente desnecessária que está ali apenas para que o infeliz solte sua infame piadinha vergonhosamente sem graça. Não serve a um propósito narrativo bem definido e definitivamente não funciona, principalmente porque se destoa daquilo já estabelecido até então.



Os mutantes, por sua vez, não aparecem muito. Após aquele início, eles demoram a voltar à cena. O senso de perigo não se instala por completo, pois a ideia de que se tem no decorrer da trama é que os problemas parecem não demorar a resolver-se. Sabe-se que os mutantes podem atacar a qualquer momento, no entanto se sabe, também, que aquele grupo de cientistas está preparado para qualquer eventualidade, afinal há muitos androides por lá que podem ajudar e foram construídos justamente para esse fim. Mesmo que não sejam muitos, ainda assim são suficientes para oferecerem a ajuda necessária. O problema maior é que, se algo acontecer à missão, eles não mais poderão ir até Alfa Centauro (o planeta para o qual pretendem mudar-se) e consequentemente morrerão. É baseado nisso que o diretor tenta elevar a tensão nessa segunda metade. 

O problema maior, por parte dos viajantes do tempo, encontra-se em Willard. O Dr. já deixou bem claro desde o início que não gostou deles quatro, uma antipatia que o roteiro não faz muita questão de explicar. Aproximando-se do fim, um grande evento ocorre colocando sob um grande risco toda a missão, entregando uma surpresa interessante e completamente inesperada lá no seu final. É simples, como todo o filme o é, mas que funciona por ser intrigante e instigante, além de dar ao final um sabor gostoso de que o filme valeu a pena. Àqueles que gostam de ler e pesquisar sobre os mecanismos do universo provavelmente se sentirão instigados. Surpresas como esta, desde que bem desenvolvidas, são muito bem vindas.

O elenco, por sua vez, está muito bem e ninguém deixa a desejar dentro do que se espera de um filme B de ficção científica de baixíssimo orçamento. Na cena onde Carol encontra o mutante abandonado escondido dentro da base e que quase foi morto por Willard – só não foi morto por causa dela própria e de seus amigos, como foi dito –, é interessante por conta de uma curiosidade; aquele ator, extremamente desconhecido, é Peter Strudwick. O fato de ser desconhecido é explicável, este foi o primeiro de seus dois únicos papeis no cinema, o segundo e último veio quase duas décadas depois, em 1981, quando participou do documentário "Being Different". Strudwick nasceu com deformidades nas mãos e sem pés devido sua mãe ter contraído rubéola durante a gravidez. O próprio foi à casa do diretor e roteirista pedir um papel no filme. Esse papel e sua breve aparição foram escritas especialmente para ele, após a conversa que ambos tiveram.



Além de tudo, "The Time Travelers" foi um importante filme à época, pois influenciou, em 1966, a série "The Time Tunnel ", que fez certo sucesso nas TVs durante os anos de 66 e 67, mas que teve apenas uma primeira temporada; e também por ter influenciado o filme "Jornada ao Centro do Tempo (Journey to the Center of Time)", em 67, com o ator Scott Brady, que nos anos 80 viria a tornar-se um grande conhecido dos fãs de terror como o Xerife Frank, de "Gremlins".

A produção do longa começou em 1963 com o título provisório de "Time Trap", no entanto o orçamento baixo de aproximadamente 250 mil não era o bastante para suportar toda a linha do tempo complexa pela qual a história se desenrola. Ainda assim a película foi muito elogiada pela forma como o diretor usou os recursos necessários sem estourá-los. Os efeitos, apesar do baixo orçamento, são muito bons, com portais que se abrem e se fecham, explosões e tudo o mais. É o que faz parte daquela máxima dentro do cinema, criatividade vale mais do que um orçamento inchado. 
 

Sendo um típico filme B de ficção científica, é evidente que os roteiristas não tratariam fielmente as leis da física como elas realmente são; é óbvio que existirão erros e liberdades criativas em filmes assim. Quem assiste a um típico sci-fi B, principalmente os da década de cinquenta e sessenta, sabe disso. Evidente que tudo isso se torna aceitável, uma vez que são liberdades criativas que trabalham em função da história e não contra ela. Imagine só se todos os sci-fis produzidos resolvessem obedecer a risca todas as leis da física? Esmagadora maioria dos filmes não seriam os clássicos que são, alguns sequer existiriam. É necessário, neste ponto, observar a proposta de cada filme e interpretá-la dentro daquele determinado contesto estabelecido. Um filme como este não é como os novos "Gravidade", de Alfonso Cuarón, e "Interestelar", de Christopher Nolan, que têm como proposta justamente o oposto, ou seja, retratar fielmente todas as leis da física que conhecemos. Tendo isso em mente, é engraçado notar que, quando citam a viagem a Alfa Centauro, dizem que a distância até lá é de 25 mil bilhões de milhas (usando o sistema métrico americano), sendo que a real distância é de 4,37 anos-luz do nosso sistema solar, o que equivaleria a aproximadamente 25 trilhões de milhas. Uma falha, lógico, que não chega a comprometer em hipótese alguma.


"Passagem para o Futuro" é, enfim, um divertidíssimo exemplar que agrada pela história em si bastante instigante – viagens através do tempo sempre foram algo muito interessante de se ver nos filmes –, pela forma como o diretor conseguiu contornar o orçamento minguado e entregar ótimos efeitos especiais que, vale lembrar, não decepcionam, e também pelo excelente e inesperado final... É um conjunto de fatores que somados fazem desta uma película a ser descoberta e redescoberta. Merecia ter ganhado uma edição caprichada em DVD e Blu-ray.


Sessão Dupla: Os Goonies (1985) e Conta Comigo (1986)

      Os Goonies (The Goonies, 1985) – Richard Donner Conta Comigo (Stand by Me, 1986) – Rob Reiner Dentre as várias combinações possíveis...