sexta-feira, 17 de julho de 2020

Hellraiser: Inferno na Terra (Hellraiser: Hell on Earth, 1992)


★★★

Diretor: Anthony Hickox
Roteirista: Peter Atkins; Clive Barker (história)
Elenco: Doug Bradley, Kevin Bernhardt, Lawrence Mortorff, Terry Farrell, Ken Carpenter, Sharon Hill, Paula Marshall, Robert C. Treveiler, Philip Hyland, David Young, Brent Bolthouse, Peter Atkins (…)
Gênero: Terror
Ano: 1992
País: Estados Unidos/Reino Unido

I am the way!

“Hellraiser III: Inferno na Terra” (1992) foi um dos inúmeros filmes de terror que marcaram minha infância. Lembro ainda hoje de ir à locadora com meu pai e me deparar com a capa do famigerado “demônio com o rosto cheio de pregos”. Era Pinhead, o líder dos cenobitas, que tão logo veio a se tornar um dos meus personagens preferidos do cinema de terror. Na estante estavam os três primeiros filmes, e o fato de os dois primeiros não estarem disponíveis me obrigou a começar a franquia a partir desta terceira parte. Eu era um moleque, na segunda metade dos anos noventa, obcecado por qualquer história de terror que pudesse encontrar. Se fosse das mais sangrentas e bizarras, melhor. E por isso, à época, este filme me foi um deleite: encontrei boas mortes, um pouco de blasfêmia (sim, fui uma criança muito diferente) e uma final girl linda (que de tudo o que esperava dela, infelizmente só não me entregou os peitinhos, que fiquei durante toda a duração do filme esperando para ver). Era tudo o que uma criança louca pelo gênero poderia querer.

Então comecei a franquia a partir dessa terceira parte, mas foi questão de pouco tempo até finalmente conhecer o primeiro filme e posteriormente o segundo. O primeiro, escrito e dirigido pelo brilhante Clive Barker, é uma obra de arte que traz sofrimento, melancolia, história de um relacionamento abusivo, distúrbios de caráter, sadomasoquismo etc. em sua mais de uma hora e meia de duração. O filme causa repulsa, nojo, carisma por determinados personagens, alguns sentimentos conflitantes a respeito de outros, tudo embasado numa história muito bem desenvolvida, como já era de se esperar de um escritor fora da curva. Esse mais do que excelente primeiro filme, então, definiu um padrão tão alto que ficaria difícil quaisquer obras que viessem a seguir igualá-lo ou superá-lo. O segundo, por exemplo, apesar de muito bom, não se aproxima do que o primeiro construiu, embora haja momentos que assemelhem. O terceiro... Bem, se o segundo não chega muito perto, o terceiro está mais para uma bola que erra o gol e sai para fora do estágio: está muito, muito longe. E embora eu saiba disso, isso não me impede de me divertir, com um sorriso no rosto, ainda nos dias de hoje quando o assisto. O filme tem seus erros, mas também tem, sim, seus méritos.

Aqui, a personagem principal é Joey (interpretada pela belíssima Terry Farrell), uma jornalista que ao presenciar um rapaz todo perfurado por correntes chegar ao hospital para em seguida ser violenta e misteriosamente morto, enxerga nisso uma oportunidade de investigação para tentar alavancar sua carreira decadente. Ela conhece então Terri (Paula Marshall), a garota que chegou ao hospital com o rapaz e que é responsável por dar à jornalista alguma ajuda que a acaba levando ao submundo dos prazeres violentos da carne liderado por Pinhead (interpretado pelo sempre excelente e icônico Doug Bradley). J. P. Monroe (Kevin Bernhardt), por sua vez, entra nesse triângulo como ex-namorado de Terri e responsável por liberar acidentalmente Pinhead de sua prisão.

Como já era de se esperar, o diretor Anthony Hickox conduz a história de forma completamente oposta à atmosfera criada por Barker no seu filme de estreia. Na verdade, ele segue um pouco um gancho narrativo levemente aberto pela segunda continuação. No segundo, ao contrário do primeiro, as coisas acontecem um pouco explicita e freneticamente, por assim dizer (com direito a cenas cujos personagens acabam sendo levados a uma viagem ao “inferno”), com alguns possíveis excessos responsáveis por desagradar a uma parcela (pequena, a título de registro) dos fãs da franquia, mas que ainda assim não compromete o resultado final. O foco, portanto, passa a ser mais voltado aos demônios, mostrando muito mais sobre eles e o submundo no qual vivem. Neste terceiro todo o exagero foi elevado ao quadrado. A opção foi a de criar um filme menos sério (há um diálogo entre Joey e um padre que é hilário), menos atmosférico e com menos suspense, mas mais voltado a cenas gore, personagens exagerados e diálogos com frases de efeito, e com um enfoque em Pinhead, que aparece solitário por quase todo o filme, sendo os cenobitas apresentados somente no terceiro ato. Sobre os diálogos, aliás, o que não falta aqui são frases de efeito (todas elas muito legais, diga-se de passagem). Portanto os excessos foram concebidos junto com o filme, que foi criado para ser justamente dessa forma, ou seja, sem muitas pretensões. E é nisso que reside alguns de seus erros e acertos.

As atuações são exageradas e todas beiram a canastrice pura, o que acaba criando momentos cartunescos conflitantes com momentos sérios, o que demonstra clara indecisão do diretor na condução dos atores. Apesar disso, dá para dizer com certeza que atuações ruins em filmes confessadamente exagerados não são o pior dos problemas. Dentro desse universo do terceiro filme, se visto como uma história individual, dá para relevar sem muito esforço, o problema é que ele faz parte de um universo com regras já preestabelecidas, regras essas que esse terceiro filme (e vários outros da franquia) não segue. E isso pode ser estendido a praticamente todos os defeitos que essa terceira parte possa ter. Por outro lado, o fato de o filme já ter sido concebido para ser dessa forma ajuda a diminuir um pouco o impacto negativo. Tendo isso em mente, aqueles que procuram por um bom filme de terror vão encontrar aqui uma boa fonte de diversão, pois o filme é um banho de sangue com direito a um massacre lindo num clube e também a melhor cena de toda a trama e uma das melhores de toda a franquia, quando Pinhead entra numa igreja católica à procura de Joey. Essa cena se destaca pela ousadia, pois mostra o líder dos cenobitas simulando sua própria crucificação enquanto pronuncia, no final, os dizeres da citação no início deste texto. Além disso também simula uma comunhão retirando um pedaço de sua própria carne para colocar na boca do padre: “Este é meu corpo, este é meu sangue. Felizes os que vêm a minha ceia”. Essa cena causou controvérsia na sociedade conservadora da Carolina do Norte. O diretor foi proibido de filmar numa igreja, por isso teve de criar todo o cenário num set de filmagem. Alguns do próprio elenco chegaram a reclamar da cena também, o que Hickcox conseguiu contornar ao explicar que o que ele estava fazendo não era tão diferente do que outros diretores fizeram nos incontáveis filmes sobre Drácula, da Hammer, com Christopher Lee, por exemplo. 

Com a morte de alguns cenobitas no filme anterior, Pinhead, para conseguir perseguir a protagonista e finalizar seu plano, precisou criar novos servos que dentro de suas limitações são até interessantes: tem o cenobita com a cabeça cravejada de CDs cujos quais ele usa para matar; tem o cinegrafista e amigo da protagonista que em certo ponto também se transforma numa dessas entidades, sendo ele um cenobita com uma câmera no lugar de um dos olhos; e um com alguns aparatos mecânicos atravessados na cabeça; há também uma garota com uma abertura na traqueia com um cigarro (!!!) preso a ela; e por fim outra garota com arame farpado enrolado na cabeça. Todos possuem pouco tempo em cena, o que foi pensado para poder dar mais desenvolvimento e tempo de cena ao vilão principal e líder deles.

Uma coisa que merece ser mencionada é a música tema homônima composta por Lemmy e Ozzy, que, magistralmente executada pelos lendários Motörhead com a inconfundível voz de Lemmy, fizeram-na já nascer clássica, combinando tanto com o clima do filme, e vice-versa, que chega a ser difícil separar um do outro, criando um desses raros momentos de simbiose que merecem ser apreciados. E falando em boa música, foi um dos meus primeiros contatos com o Rock ‘n’ Roll e Heavy Metal. Dali em diante eu já sabia qual rumo, musicalmente falando, eu gostaria de seguir. A trilha, inclusive, também conta com Armored Saint que, além de presentear o filme com algumas boas canções nas cenas que envolvem a boate, também aparecem representando a si mesmos nos shows desse clube. São, portanto, dois méritos que todo o fã de terror que se preze vai provavelmente elogiar: o gore de qualidade e a trilha recheada com o bom e velho Heavy Metal.

Uma curiosidade digna de nota é que a direção do filme foi oferecida a Peter Jackson, que acabou recusando a proposta por pensar que não poderia dirigir um filme de terror sério (por mais irônico que possa parecer). O neozelandês é bastante conhecido entre os fãs de terror por dirigir alguns clássicos do cinema podreira, “Náusea Total (Bad Taste, 1987)” e “Fome Animal (Braindead, 1992)”, que, além dos altos níveis de sangue e nojeira, também carregam uma carga grande de comédia, principalmente de um excelente e extremo humor negro. Ele acabou gostando do produto final, mas disse que faria modificações principalmente com relação a Pinhead. Disse, por exemplo, que gostaria de vê-lo sendo golpeado no rosto, contra uma parede, para que seus pinos fossem todos enterrados na carne e ossos, dizendo que esse tipo de humor faz parte de seu jeito de ser e de fazer cinema de horror. E de fato faz. Jackson voltaria a lançar outro filme de terror quatro anos depois, seu hilariante e ao mesmo tempo tenso “Os Espíritos (The Frighteners, 1996)”.

Então, como saldo final, “Hellraiser III: Inferno na Terra” se mostra uma continuação decente. Tem quase tudo daquilo que se procura num bom filme do gênero, boas mortes, um pouco de blasfêmia, de brinde um pouco de Metal e, como continuação, a ampliação do universo sombrio e sadomasoquista dos cenobitas e seu líder. Por outro lado, erra nas caracterizações cartunescas dos personagens, em alguns exageros e na construção dos novos e quase descartáveis cenobitas, que praticamente não possuem tempo suficiente em cena. O saldo é positivo. Chegou a marcar algumas pessoas de uma geração tanto pelo conteúdo violento quanto pela boa música. De fato não é dos maiores da franquia, mas ainda assim é uma boa e divertida continuação. 



sábado, 11 de julho de 2020

The Shed (2019)



Diretor: Frank Sabatella
Roteirista: Frank Sabatella
Elenco: Jay Jay Warren, Cody Kostro, Sofia Happonen, Frank Whaley, Timothy Bottoms, Siobhan Fallon Hogan, Chris Petrovski, Francisco Burgos, Uly Schlesinger, Mu-Shaka Benson, Drew Moore, Caroline Duncan, Sal Rendino (...).
Gênero: Terror
Ano: 2019
País: Estados Unidos

Após uma sessão extremamente divertida com “Haunt” (2019) na noite anterior, pensei em pesquisar por outros filmes de baixo orçamento que pudessem ser tão divertidos quanto. Filmes descerebrados cujo valor de entretenimento pudessem fazer valer uma hora e meia ou uma hora e quarenta de diversão. Eis que na busca por algo assim me deparo com o que a princípio me pareceu interessante: “The Shed” (2019), segundo filme de Frank Sabatella (o primeiro é o “Blood Night: The Legend of Mary Hatchet”, de 2009) que traz como premissa um vampiro preso num pequeno galpão no quintal da casa onde vivem Stan (Jay Jay Warren) e seu avô abusivo e violento Ellis (Timothy Bottoms).

Stan é um jovem problemático que durante alguns anos de sua vida viveu em instituições comandadas pelo estado. Aparentemente, sem conseguir lidar com a perda precoce de seus pais, o garoto acabou optando por trilhar um caminho longe das amarras da lei, que por consequência o acabou colocando nesses lugares. Lidar com um avô extremamente violento, e posteriormente com o vampiro preso no galpão, é sua única alternativa para não mais voltar a lidar com as autoridades dessas instituições.  A única boa companhia que tem em sua vida miserável é a de seu melhor amigo Dommer (Cody Kostro), um nerd solitário cujo qual Stan gasta boa parte de seu tempo defendendo dos valentões. Já Roxy (Sofia Happonen) é a garota por quem é apaixonado, mas que namora justamente o líder dos valentões.

Sabatella tenta conferir profundidade à história através de metáforas sobre o bullying, mas acaba fracassando, pois nada do que se vê em tela tem seu devido desenvolvimento. O que se sabe sobre qualquer um dos personagens é muito pouco ou quase nada. Sabe-se, por exemplo, que Stan e Roxy eram amigos próximos no passado e que tal amizade se desfez na adolescência, mas nada além disso tem continuidade no desenrolar da trama. Dommer, por sua vez, é um completo enigma. Não há informação alguma sobre ele, sobre seu passado, sobre sua família etc., a não ser aquela que se vê acontecendo em cena, que são os problemas com os valentões apenas. Sua relação com o vampiro, aliás, tem papel fundamental nesse paralelo traçado pelo diretor quanto às pessoas que sofrem nas mãos de outros alunos na escola, mas não causa impacto pois, além da falta de sutilezas, não há progresso sobre o assunto ao longo da história. O vampiro é visto por Dommer como uma porta de saída de uma vida estudantil miserável e sofrida. Ele enlouquece aos poucos ao ponto de querer dar um fim aos seus algozes utilizando o ser sugador de sangue.  Stan, enquanto tenta resolver o problema de ter um vampiro no galpão de sua casa, tenta mediar a situação de modo a não deixar que seu melhor amigo perca a cabeça.

O que podia ter sido um filme interessante e divertido sobre o tema acaba então desperdiçado por um roteiro que parece ter sido remendado com situações e propostas que não se sustentam. Cenas que se alongam demais não deixam as coisas acontecerem naturalmente e o que acontece é pobremente desenvolvido, fazendo com que a curta duração de 98 minutos pareça uma eternidade. As ações dos personagens são questionáveis – o terceiro ato que o diga – e o fato de serem completos estranhos para o público não os ajudam a se tornar interessantes. Aliás, o que eles são é o oposto disso. Com relação ao vampiro, sua força sobre-humana fica clara desde o início ao destroçar um dos personagens que ousa adentrar o galpão e também ao destruir com facilidade parte da porta do mesmo. O que não fica claro, por exemplo, são os motivos pelos quais ele não destrói tudo durante a noite e foge, por exemplo. E advinha? O roteiro não tem uma resposta para isso também, assim como não tem para metade das coisas que acontecem.

Então algumas pessoas podem se perguntar: é preciso tanto requisito assim para que um filme de baixo orçamento renda alguma diversão? Simples, desenvolvimento aprofundado em filme de terror decerebrado pode não ser um dos principais requisitos - e de fato não o é - quando o gore (principalmente, mas não necessariamente, quando vem aliado a boas doses de nudez e sacanagem), por exemplo, é excelente, mas infelizmente também não é o que acontece aqui. Está mais para um filme adolescente sem sal com pretensões de passar uma mensagem importante que acaba presa dentro de suas inúmeras limitações. Para que uma boa mensagem seja passada, é necessário que ela se valha de um bom desenvolvimento de suas premissas, caso contrário se torna inócua e irrelevante. Não funciona. Não chega nem perto de funcionar.

No final, a sensação é a de tempo perdido. Tinha potencial para ser um divertido filme de vampiro com questões importantes que rondam o mundo adolescente, mas acaba desperdiçado em meio a diálogos expositivos de um roteiro preguiçoso que insiste em cenas desnecessárias, dentre as quais, por exemplo, as de sonhos dentro de sonhos que simplesmente não funcionam e só causam vergonha alheia por tamanha ineficiência, subestimando inclusive a inteligência do espectador ao tentar incitar um susto que nunca vem. Acho que tudo isso explica os motivos pelos quais Sabatella demorou dez anos para conseguir filmar este seu segundo filme. Ainda não foi dessa vez, infelizmente.

Sessão Dupla: Os Goonies (1985) e Conta Comigo (1986)

      Os Goonies (The Goonies, 1985) – Richard Donner Conta Comigo (Stand by Me, 1986) – Rob Reiner Dentre as várias combinações possíveis...