
Bom, 2021 já
foi para o saco, graças aos bons deuses! Um ano que não deixará boas lembranças
e muito devido a enorme quantidade de merdas que aconteceram como, por exemplo, os problemas causados direta e indiretamente pela covid-19. Com a pandemia
vieram os lockdowns, as políticas de distanciamento social – todas necessárias,
diga-se de passagem – etc. Com isso, lugares que promoviam aglomeração tiveram
de fechar as portas durante esses períodos, sendo um desses lugares os cinemas.
2020 foi um ano ainda pior nesse sentido. Muitos dos grandes e pequenos
estúdios optaram por adiar muitos dos seus lançamentos justamente por causa dos
lockdowns. Grandiosos filmes como o novo “Duna”, que foi uma dessas inúmeras
produções adiadas para o ano 2021, são exemplos de experiências cinematográficas
que de fato merecem ser vistas na tela grande com a melhor qualidade de som e
áudio disponível. No entanto, outros estúdios acabaram encontrando outras
formas, como os streamings, para lançar seus filmes. Cada um tentando lidar da
maneira como pode. Alguns deles acertando, outros, errando. A pergunta que vem
a seguir, portanto, é essa: com todos esses problemas, será que tivemos algo digno
de nota em meio a esse conturbado 2021? E a resposta é positiva! Sim, apesar dos problemas já ditos que todo
mundo já conhece, muita coisa boa conseguiu ser lançada. Como de costume – pra
variar! –, não consegui assistir a metade do que gostaria dos lançamentos.
Mesmo assim, esta é a minha tentativa de fazer meu top 10 dos meus preferidos.
As chances de eu falhar miseravelmente são grandes e muito verdadeiras,
justamente pelo fato de que com certeza vou cometer injustiças deixando alguns
bons títulos de fora – muitos deles que ainda não tive a oportunidade de ver.
As chances são grandes mesmo, mas vai valer o esforço. Antes de começar, só
quero deixar claro que os títulos não estão em ordem de preferência, mas sim em
ordem dos que primeiro me vieram à mente, seguido da mais simples sinopse que
eu poderia criar e um pouquinho do meu comentário. O critério que usei pra
selecionar esses filmes, aliás, é simples: meu gosto pessoal. Simples assim! Não
quis aqui fazer uma pretensiosa lista dos filmes tecnicamente melhores, mas sim
dos que mais me chamaram atenção e me trouxeram, também, diversão. Claro que
procurei trazer um pouco do meu conhecimento sobre o assunto, mas não como
ponto principal. Enfim, sem mais delongas, vamos pra lista.
1) Titane (2021), dirigido por Julia
Ducournau.
É um filme estranho, bizarro, violento e, por mais estranho que possa
parecer, sensível. A história gira em torno de Alexia (Agathe Rousselle), uma
mulher que quando criança sofreu uma grave lesão na cabeça por causa de um
acidente de carro e por isso teve de colocar uma placa de titânio para corrigir
a fratura, numa cirurgia delicadíssima. Já crescida, e ainda perturbada pelo
que lhe aconteceu, trabalha numa espécie de clube de strip-tease, ao passo que,
na cidade ao redor, assassinatos cruéis estão sendo cometidos (para não dar
spoiler, talvez esse seja o máximo de uma sinopse que poderei dar). Fãs de
Cronenberg podem pular de cabeça nessa obra, que mistura a já típica violência
do movimento do cinema extremo francês, com metáforas e questionamentos muito
legais sobre relacionamentos paternos, mais muitas referências ao
cinema do mestre canadense. “Crash: Estranhos Prazeres”, aliás, talvez seja a
maior das delas.
2) Lamb (2021), dirigido por Valdimar Jóhannsson.
Distribuído pela A24, produtora e distribuidora velha conhecida dos fãs
de terror, “Lamb” é o filme de estreia do diretor islandês que conta a história
de Maria (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snær Guðnason), casal criador de
ovelhas que vê suas vidas mudarem após uma de suas criações parir um filhote um
pouco diferente. Vivendo sozinhos numa fazendo isolada, os dois acabam
desenvolvendo tanta afeição pelo cordeirinho recém-nascido que resolvem trata-lo
de maneira quase como se fosse filho deles. É um filme que fala, dentre algumas
coisas, sobre o relacionamento entre seres humanos e natureza, e também sobre
família. Diferente do anterior, este causa incômodo não pela violência, mas
pelas situações criadas. É um filme estranho, como tudo da A24, e possui ritmo
muito lento, o que pode desagradar aqueles que não gostam desse tipo de terror
mais contemplativo, e tem muito de seu desenvolvimento puxado também para o
lado do drama que, aliás, toma a maior parte do filme.

3) Censor (2021), dirigido por Prano
Bailey-Bond.
Aqui a pegada é de homenagem; homenagem, mais especificamente falando,
aos filmes que foram banidos por sua violência extrema no Reino Unido durante
os anos 1980 e que ficaram conhecidos como Video Nasties. Após serem avaliados
pelos censores da época, muitos desses filmes tinham suas cenas cortadas para
serem lançados, já outros – os que não tinham salvação segundo essas pessoas –,
eram banidos. Enid Baines (Niamh Algar) – em uma excelente atuação –, é uma
desses censores, e se vê cada vez mais enrolada numa trama bizarra que pode ou
não envolver conspiração, após pensar ter visto sua irmã desaparecida em um
desses filmes. Aqui o terror é também psicológico e de excelente qualidade, e
intercala momentos de pura desorientação com cenas de violência gráfica. É um
filme bastante vivo em termos de cores – todas em tons neon – e toda sua
construção foi feita para remeter os anos 80. É o longa de estreia da diretora.
4) A Quiet Place
II (2020), dirigido por John Krasinski.
Com uma data de lançamento prevista para 2020, este foi um dos filmes que
sofreram com a pandemia. Foi sendo adiado por muito tempo porque Krasinski, que
também dirigiu o primeiro filme, queria que fosse lançado nos cinemas para uma
melhor apreciação do publico. Com isso, conseguiu encontrar essa data de
estreia apenas em aproximadamente meados de 2021. É uma continuação direta que
segue Evelyn Abbott (Emily Blunt) e seus filhos Regan (Millicent Simmonds) e
Marcus (Noah Jupe) e seu bebê recém-nascido. Com ainda mais dificuldades de
conseguirem se virar nesse mundo pós-apocalíptico, a trama aqui segue mais
intimamente Regan e um personagem novo, Emmett (Cillian Murphy) – um excelente
personagem, diga-se de passagem –, que, junto da decisão do diretor de colocar o
protagonismo nas mãos da personagem Regan, acaba dando um novo frescor ao filme.
A direção segura e dinâmica e um roteiro que soube se reinventar, além das
atuações poderosas de quase todo o elenco (Noah Jupe está um pouco exagerado
aqui) são algumas das qualidades do longa.

5) Saint Maud (2019), dirigido por Rose
Glass.
Rose Glass é outra que tem sua grande estreia na direção de
longas-metragens. Aqui a história acompanha Maud (Morfydd Clark), uma
enfermeira fanática e fundamentalista religiosa que vê muito de seus princípios
entrarem em conflito quando começa a trabalhar como cuidadora de Amanda
(Jennifer Ehle), uma mulher que sofre de câncer terminal. Amanda, nada
religiosa, leva uma vida completamente diferente da de Maud, que, por sua vez, começa a
desenvolver afeições pela enferma e vê seu mundo começar a mudar. Estando confusa
com toda a situação e também consigo mesma, a enfermeira começa a presenciar
coisas estranhas e até mesmo a agir de forma bastante diferente do usual por
causa disso. O filme – um terror psicológico dos bons – é de 2019, mas rodou
muitos festivais até ser lançado no circuito mundial em 2021. Morfydd Clark é
destaque aqui e está excelente, entregando o que é sua melhor atuação na
carreira. Já a diretora Rose Glass é uma dentre outras para se ficar de olho.

6) My Heart Can't Beat Unless You Tell
It To (2020), dirigido por Jonathan Cuartas.
Outra estreia em grande estilo, aqui a trama segue de forma introspectiva
uma família de três irmãos, Dwight (Patrick Fugit) e Jessie (Ingrid Sophie
Schram) – que são os irmãos mais velhos – e Thomas (Owen Campbell) que, por
causa de uma doença, não pode sair de casa e por isso precisa de cuidados 24
horas por dia. Assim, os dois primeiros irmãos se mantêm bastante ocupados
durante o dia e a noite para manter a saúde do caçula em bom estado. Acredito
que quanto menos souber sobre a história, melhor será a experiência. O filme
busca subverter alguns clichês de um subgênero do terror bem específico e
acerta em praticamente tudo. Vale ressaltar que o filme foi filmado em 4:3, o
que ajuda muito a construir a sensação de desconforto gerada pela claustrofobia
que o filme traz.
7) The Night House (2020), dirigido por
David Bruckner.
Bruckner é um diretor que já possui certa experiência, contando no
currículo, com este filme, três longas. Seu último trabalho foi a obra bem
conceituada “O Ritual” (2017). Nesse seu último projeto ele traz Rebecca
Hall para interpretar Beth, uma professora que está passando por um processo de
luto após seu marido se matar em sua própria casa. Com sua cabeça passando por
um turbilhão de emoções, Beth, uma mulher determinada e forte, vê suas emoções
piorarem após descobrir alguns segredos envolvendo a vida de seu marido. Claire
(Sarah Goldberg), sua melhor amiga, é quem tenta ajuda-la nesse período. Uma
das grandes obras do ano, “The Night House” perde um pouquinho de força no finalzinho,
quando o filme parece entrar em conflito com alguma coisa que ele próprio havia
definido nos primeiro e segundo atos. No entanto não é nada que prejudique sua
totalidade. Grande filme!
8) Vicious Fun (2020), dirigido por Cody
Calahan.
Um dos filmes mais divertidos do ano, “Vicious Fun” conta a história de
Joel (Evan Marsh), um jovem nerd, ingênuo, desajeitado e em péssima situação
financeira e amorosa, que escreve sobre filmes de terror para uma revista
independente bem pobrezinha. Após seguir uma mulher desconhecida até um bar,
com a intenção de talvez conseguir se dar bem com ela e enfim mudar sua situação com as mulheres, acaba entrando numa das
piores situações ao se ver preso numa reunião de autoajuda que acontece dentro
do próprio bar após o encerramento do expediente. Você deve estar se perguntando, “como
uma pessoa se dá tão mal assim numa reunião de autoajuda?". A resposta é que
essa não é uma reunião comum de um grupo comum, é uma reunião de autoajuda para
assassinos em série (!!!). A partir daí se desenrola algumas das situações mais
engraçadas e sangrentas que se pode imaginar. O filme entrega uma mistura de
comédia e terror e, vale dizer, é outra homenagem aos anos 80 da lista, tanto
em termos de fotografia quanto de violência que, diga-se de passagem, é feita
toda, ou quase toda, com efeitos práticos, e também de música, que remete às
trilhas dos anos 80. Ou seja, é o pacote completo. Infelizmente a história
perde um pouco de força no decorrer do filme, mas não é nada que chega a
comprometer.

9) Coming Home in the Dark (2021),
dirigido por James Ashcroft.
Mais uma estreia, dessa vez vinda da Nova Zelândia. Hoaggie (Erik
Thomson), sua esposa Jill (Miriama McDowell) e seus filhos, Maika (Billy
Paratene) e Jordan (Frankie Paratene), estão em um piquenique na natureza, num
lugar remoto, quando dois estranhos aparecem e os fazem reféns. A violência é
intensa e acontece desde o princípio e de muitas formas, física e psicológica,
de modo incômodo e inquietante, principalmente pelo fato de que ninguém, nem
espectador e nem personagens, sabem quais as reais motivações dos vilões. Por que
isso está acontecendo? Será que é violência apenas por violência? O acaso tem
papel forte nisso tudo, mas muitas coisas serão reveladas ao longo dessa
jornada de terror, sendo muitas dessas revelações absurdas – no bom sentido.
Com isso tudo ainda dá tempo de levantar questões sobre abuso e maus-tratos
infantis. Talvez o filme mais macabro - um dos mais, com certeza - e indigesto da lista.
10) The
Wolf of Snow Hollow (2020), dirigido por Jim Cumming.
Jim Cummings aqui entrega o terceiro filme de sua filmografia, uma
mistura muito bem feita de comédia e terror. John Marshall, interpretado pelo
próprio Cummings, é um policial e filho do Sheriff (Robert Forster), que tem
nas mãos alguns dos casos mais cruéis de assassinatos que a pacata e turística
cidade de Snow Hollow já presenciou. Por causa da natureza dos crimes, muitos
na cidade, inclusive dentro da própria polícia, com exceção de John, acreditam
que as mortes foram causadas por um lobisomem. Isso, por sua vez, acaba
causando atrito entre o protagonista e muitos de seus parceiros. A trama
divertidíssima, vale dizer, ainda encontra momentos para falar sobre alcoolismo
e paternidade, por exemplo. John, que tem uma filha e é divorciado, não tem um
bom relacionamento com a mesma. Para piorar, ainda sofre com ataques de raiva,
o que acaba desenvolvendo situações complicadas tanto em sua vida pessoal como
no trabalho, com tudo isso sendo desenvolvimento em meio ao caos que se tornou
a vida do personagem após começarem os violentos crimes.

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Para encerrar, fica evidente e óbvio o fato de que, ano após ano, o gênero se mostra cada vez mais vivo. A quantidade de estreantes no gênero, fãs entregando filmes para fãs, é bem grande e muito bom de se constatar. Assim, acabou que 2021, apesar de todos os problemas, ajudou a abrir as portas para essas pessoas mostrarem seu potencial. Fica agora a esperança de um 2022 ainda melhor - em todos os sentidos -, e a expectativa de que esses diretores entreguem filmes tão bons quanto num futuro próximo. Veremos o que este novo ano tem para nos entregar.