sábado, 17 de fevereiro de 2018

A Noiva do Gorila (Bride of the Gorilla, 1951)






Diretor: Curt Siodmak
Roteiro: Curt Siodmak
Elenco: Barbara Payton, Lon Chaney Jr., Raymond Burr, Tom Conway, Paul Cavanagh, Gisela Werbisek, Carol Varga, Paul Maxey, Woody Strode, Martin Garralaga, Felippa Rock, Moyna MacGill.
Gênero: Terror
Duração: 70 minutos
País: Estados Unidos

Lon Chaney Jr. é um desses grandes ícones do cinema de horror. Muito conhecido pela excelente performance como Larry Talbot no filme “O Lobisomem”, de 1941, de George Waggner. Um dos melhores (e particularmente o meu favorito) e mais icônicos filmes de lobisomens já feitos. Além deste, Chaney voltou a interpretar o personagem em outros filmes da Universal nos anos seguintes, nos filmes “Frankenstein Encontra o Lobisomem” (1943), “A Mansão de Frankenstein” (1944), “O Retiro de Drácula” (1945) e no divertidíssimo “Abbott e Costello às Voltas com Fantasmas” (1948). É um dos grandes nomes ao lado de Bela Lugosi, Boris Karloff, Peter Cushing, Christopher Lee e os muitos outros. Com uma filmografia com cerca de 197 filmes, claro que ali no meio apareceriam alguns ruins e papeis também não tão interessantes. É o caso deste “Bride of the Gorilla” (1951), que tem uma ideia e tanto, mas um desenvolvimento limitado por causa do orçamento.



Um dos personagens centrais aqui é Barney Chavez (interpretado por Raymond Burr), que trabalha numa plantação em algum país da América do Sul, na Floresta Amazônica. Após alguns problemas na plantação, alguns ocorridos talvez pela displicência de Chavez (como quando há um acidente onde uma pessoa morre e as outras ficam feridas, tudo porque ele não estava no local para auxiliar os outros trabalhadores), faz com que seja mandado embora pelo seu chefe Klaas Van Gelder (Paul Cavanagh). Apesar de tudo, Chavez é apaixonado por Dina (Barbara Payton), esposa de Klaas, no entanto para tê-la, algumas medidas drásticas teriam de ser tomadas. É então que ele comete seu maior erro. Cego pela raiva por ter sido mandado embora e também por sua paixão por Dina, acaba matando Klaas. O que ele não esperava, naquele momento, é que aquilo se tornaria sua ruína. Uma bruxa nativa chamada Al-Long (Gisela Werbisek) presencia o ocorrido e aproveita a chance para lançar uma maldição em Chavez. Essa maldição viria a transformá-lo em gorila.

Bom, e onde entra Lon Chaney Jr. nisso tudo? Ele interpreta o chefe de polícia local Taro, um homem que há muito estudou fora, possui algum conhecimento científico, mas se mantem divido entre suas crenças. Apesar de não ser um papel que exija muito do ator, no entanto Chaney consegue extrair o máximo que pode do que lhe foi dado, entregando boas atuações num papel até interessante. Ele é o responsável por investigar a morte do senhor da fazenda contribuindo com algumas descobertas importantes ao longo da trama. 

 

A ideia é boa, mas o limitadíssimo orçamento impediu o diretor e roteirista, Curt Siodmak, de trabalhar algumas cenas onde seriam necessários bons efeitos e maquiagem. Por exemplo, no início o suspense criado em torno da criatura funciona. O espectador fica curioso para saber como são suas características físicas, sua aparência. Isso contribui para prender a atenção, no entanto tudo isso é jogado fora a partir do momento que o suspense se prolonga de tal maneira que passa a tornar-se enfadonho. Chega num ponto no qual esse prolongamento é tamanho que acaba por fazer com que se perca o interesse. Aliás, o monstro mesmo nunca é visto de corpo inteiro. Aparece durante poucos segundos, de relance, no final do filme, numa das últimas cenas.

Mas tudo bem. O monstro não é tudo, certo? O que dizer da trama e as atuações então? A verdade é que há muito pouco para manter-se envolvido também. Praticamente todas as ações acontecem em off-screen, ou seja, não se vê nada do que acontece de fato. Isso, como mencionado acima, é por causa do orçamento que não permitiu que se trabalhasse com bons efeitos e maquiagem. Então o filme, apesar de curto, desenvolve-se por meio de diálogos e situações que não soam tão atraentes assim, uma vez que apenas isso não é o suficiente para que um filme assumidamente b possa caminhar por si mesmo. As atuações, por outro lado, são decentes. Com Lon Chaney Jr. entregando um personagem realmente disposto a ajudar a solucionar o crime, e um Raymond Burr com seu olhar sinistro e compenetrado, de quem parece guardar terríveis segredos. Barbara Payton também entrega uma atuação bastante boa, assim como o resto do elenco que não compromete. 



Interessante constatar que o filme foi inteiramente filmado em sete dias, o que também pode ter contribuído – vai saber – com o resultado final insatisfatório. A princípio o diretor tinha estudado a possibilidade de trocar os papeis de Raymond Burr e Lon Chaney Jr. (O que seria bastante interessante de se ver, afinal de um homem que se transformava em lobisomem, neste filme ele passaria a se transformar em gorila. Olha que interessante essa alusão!), mas acabou desistindo da ideia por causa da aparência já mais envelhecida de Chaney.

Barbara Payton também foi responsável por protagonizar alguns inusitados episódios fora das filmagens. A atriz nunca foi conhecida por ser fiel a seus maridos, possuindo uma má reputação por estar sempre envolvida em relações de traição. Havia boatos de que dormia com todo produtor e pessoas relacionadas que tivesse a oportunidade. Muitos desses boatos eram falsos, no entanto. Seu marido atual, Franchot Tone, descobriu que Barbara teve um caso com dois atores do elenco, Tom Conway e Woody Strode. Dando início a uma grande polêmica envolvendo a produção do filme além de somar mais uma para sua coleção pessoal. 

 

No fim, “Bride of the Gorilla” tornou-se um clássico cult. Portanto se não vale a pena vê-lo pelo que é realmente, com certeza vai valer pelas curiosidades. Afinal, quem não gostaria de ver um “filme de lobisomem” cuja criatura, ao invés de ser um homem amaldiçoado que se transforma nesse bicho uivante, transforma-se em gorila? Mesmo apesar dos pensares?  


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A TV dos Mortos Vivos (The Video Dead, 1987)






Diretor: Robert Scott
Roteirista: Robert Scott
Gênero: Horror
Duração: 90 minutos
País: Estados Unidos

Algumas décadas atrás, mais especificamente no ano de 1932, Victor Halperin lançava seu filme “Zumbi, A Legião dos Mortos” (“White Zombie”), estrelado pela lenda Bela Lugosi e que conta a história de Legendre (interpretado por Lugosi), um homem que transformava pessoas mortas em escravas trabalhadoras zumbis, no Haiti, com o uso de uma poção. Foi a primeira obra sobre zumbis feita, no entanto não sobre os zumbis tais como os conhecemos hoje em dia, putrefatos e comedores vorazes de carne humana. A primeira obra, neste sentido, foi criada pelo mestre George A. Romero (infelizmente falecido em julho de 2017). Considerado o pai dos zumbis, Romero criou sua seminal obra sobre os mortos-vivos comedores de carne humana no ano de 1968,  sendo responsável por criar todo um subgênero com suas regras e particularidades que viriam a ser um divisor de águas dentro do horror, transformando-se numa obra exaustivamente copiada e homenageada até os dias de hoje. Se você mora numa caverna e não sabe do que estou falando, esse filme é o icônico “A Noite dos Mortos-Vivos” (“Night of the Living Dead”).

Desde então vários filmes muito legais têm sido feitos, inclusive um remake, em 1990, dirigido por Tom Savini – amigo íntimo de Romero e também responsável pela maquiagem do filme de 68. Foi seu primeiro e único longa metragem, pelo menos até então. Por outro lado alguns filmes muito ruins também têm sido feitos. “A TV dos Mortos-Vivos” (“The Video Dead”, 1987) é um deles. Este, aliás, difere por ser um filme b abertamente escrachado, com péssimas atuações, efeitos e maquiagem das piores categorias, o que o torna divertido de ser visto. 



 
A história começa com Henry Jordan (Michael St. Michaels) recebendo um pacote da empresa de entregas Hi-Lite. Ele não sabe o que traz pacote, pois não foi ele quem o pediu, no entanto os entregadores dizem que, querendo ou não, o produto precisa ser entregue, afinal já foi pago pelo remetente e tudo o mais. Então desempacota o produto para descobrir que é uma televisão. O que ele não sabe, mas vai descobrir logo, é que não é uma televisão qualquer. Após desempacotá-la, ela passa a ligar sozinha e a transmitir um filme de terror sobre mortos-vivos. Não importa quantas vezes Jordan a desligue, ela continuará ligando sozinha e passando esse mesmo filme. No dia seguinte os entregadores voltam a casa para buscar o produto, pois percebem que fizeram confusão na hora da entrega. Era para a TV ter ido noutro lugar. Acontece que, ao chegar a casa, os entregadores veem o homem morto. A TV amaldiçoada é uma espécie de portal, ou algo parecido, através do qual os mortos do filme atravessam e matam. 

 
 

Corta para três meses depois, para o espectador descubrir que a casa, que até pouco tempo estava à venda, foi comprada pelos pais - que naquele momento estão a negócios no Oriente Médio - de Jeff (Rocky Duvall) e sua irmã mais velha Zoe Blair (Roxanna Augesen), por isso os dois encontram-se sozinhos na casa, ficando a cargo de colocar as coisas em ordem, limpá-la etc. Este, aliás, foi o primeiro e último trabalho para o cinema da dupla, vale mencionar. Não há muita informação na internet sobre os dois e sobre o motivo que os levou a abandonar a carreira no cinema, no entanto o fato de ter sido o primeiro e único trabalho deles explica as péssimas atuações. Agora, o que se sabe pelo menos no caso de Roxanna Augesen, é que ela tem praticado direito, ao que parece, desde os anos 2000 no estado da Califórnia.



Naquele dia um homem vindo do Texas toca a campainha. Jeff atende e o senhor, que se apresenta como Joshua Daniels (Sam David McClelland), pergunta sobre essa TV. Era para ter sido entregue para ele ao que tudo indica, no entanto foi parar ali naquela casa. Jeff não sabe de nada e de forma debochada acaba mandando o senhor embora. Após esse homem misterioso ter tocado a campainha, Jeff conhece sua vizinha April (Victoria Bastel) e o cachorro irritante, Chocolate, que a acompanha. Jeff a chama para beber algo, é então que a menina tem a ideia de tirar a coleira do cachorro que – óbvio que isso iria acontecer – acaba fugindo para a floresta onde é morto pelo zumbi que há três meses havia matado o antigo proprietário.

A noite, após um longo dia limpando a casa, Jeff encontra a maldita televisão no sótão. Leva-a para seu quarto e a liga, mas dessa vez o que está passando não é o filme sobre zumbis, mas sim uma loira bonita que começa a falar-lhe diretamente. Confuso com aquilo, acaba presenciando a loira sair da televisão para lascar-lhe um beijo e para logo em seguida regressar e ser morta por um homem que se alto denomina “O Homem do Lixo”, que logo fala sobre os perigos da TV. Esse homem, aliás, nunca mais aparece durante toda a duração do filme. Não é deixada sequer uma pista sobre quem pode ser.  

 
Os zumbis que estão à solta começam a tocar o terror e a fazer novas vítimas, matando não só o pai de April como também sua empregada, Maria (Libby Russler), além de seus vizinhos. Nenhuma das mortes é tão impressionante, aliás. Algumas delas até apresentam manobras um pouco absurdas por parte dos zumbis, como quando a zumbi noiva – como se já não bastasse o absurdo da história em si, o filme ainda possui essas peculiaridades bizarras – que, sabe-se lá como, esconde-se dentro da máquina de lavar para fazer uma de suas primeiras vítimas. O fato de terem esperado três meses para voltar a matar também é um enigma. Por qual razão eles esperaram esse tempo todo? Enfim... Não é o tipo de filme que vale a pena gastar neurônios tentando entender.

Após essas mortes todas, Joshua Daniels retorna a bater à porta dos protagonista oferecendo sua ajuda. A irmã, obviamente, mostra-se cética porque não presenciou nada do que aconteceu. Seu irmão é que mantém o foco na conversa, prestando atenção nos detalhes daquilo que pode vir a ser a solução dos problemas. Joshua diz que, pelo fato de estarem mortas, aquelas criaturas não conseguem ver a si próprias no espelho sem enlouquecer. Então sugere espalhar esses objetos pela casa como meio de proteção. Agora, para matá-las, é necessário prendê-las em algum lugar onde não há saída, porque dessa maneira elas enlouquecem e acabam matando a si mesmas, umas as outras. Por outro lado, para conseguir manter-se vivo, basta apenas controlar seus medos, pois as criaturas só matam se perceberem o medo das pessoas (o que ainda não explica o fato de eles terem esperado os três meses, afinal, quando matam a primeira pessoa, ela sequer sabia da existência deles, portanto também não tinha medo).


O filme se esforça tanto para ser engraçado, com frases "engraçadinhas" que não possuem muito sentido e não provocam nada além de tédio. No entanto, o pouco do charme dessa podreira reside no fato de que o filme possui a cara desses filmes b da década de oitenta, muito corroborada pela trilha sonora bastante comum e boa, inclusive. A trilha, aliás, em alguns pontos, lembra muito a trilha de “Halloween”, de John Carpenter. É nítido que o compositor pegou algumas características “emprestadas” para compor a sua própria.

Já os zumbis, que deveriam ser um ponto alto da história, não são nada além de maquiagens extremamente mal feitas (até que nem todos, pode-se dizer que um ou outro é até bem legal). Um deles possui um aspecto azul horroroso, parecendo massa de modelar e um pouco de tinta espalhadas pelo rosto. Inicialmente a ideia era de que cada zumbi tivesse uma história própria responsável pelo que o caracteriza. Por exemplo, esse zumbi do rosto azul seria um atleta dos anos cinquenta que se afogou, por isso assume esse aspecto azulado. A noiva era uma mulher que foi assassinada em seu casamento. Jack era um homem que morreu queimado em um acidente de carro, por isso está todo arrebentado e faltando um braço. E o Ironhead (o que tem um ferro de passar na cabeça) era um assassino em série que estrangulava suas vítimas, por causa disso que se mostra tão entusiasmado enquanto estrangula a empregada. Essa ideia, no entanto, foi abandonada por Scott, diretor e roteirista, que preferiu não as referenciar no final das contas.


 

O final, um dos pontos mais fracos, percebe-se a clara influência de “A Noite dos Mortos-Vivos” do Romero, quando esses zumbis vêm da floresta e cercam a casa, mantendo Zoe aprisionada lá dentro. A diferença, agora – e é onde reside uma das grandes bobagens do filme – é que a personagem, tomada pela ideia de Joshua, tenta manter-se calma para em seguida convidar (parece absurdo, mas é isso mesmo!) a horda a entrar. Não bastasse isso, ainda prepara comida (!!!) para cada um deles. Quando um desses zumbis, o de rosto azul, aparentemente apaixonado – olha o nível que se segue! – levanta-se para ir atrás da moça, acaba topando com um espelho, ficando um pouco desorientado ao ver sua própria imagem refletida no objeto. O motivo desse zumbi se apaixonar, aliás, tem relação com sua história particular (que acabou sendo deixada de lado e não explicada, assim como a dos outros). O fato de ter sido um atleta bonitão, constantemente sofria investidas de mulheres bonitas, por isso passa o filme todo procurando carinho de Zoe e, algum tempo atrás, tinha procurado o de April também. Então Zoe, após perceber a desorientação, atrai a todos para então prendê-los no porão, numa tentativa de finalmente colocar em prática tudo o que lhe foi ensinado por Joshua lá atrás. Os zumbis acabam realmente enlouquecendo e matando uns aos outros.

Uma sequência foi escrita posteriormente, mas acabou sendo abandonada após o diretor receber o mesmo baixo orçamento deste, algo em torno dos 80 mil dólares. O diretor queria um filme mais movimentado e com muito mais zumbis, mas o baixo orçamento estipulado não lhe permitia trabalhar da maneira como gostaria, preferindo engavetar o projeto. Nesta sequência uma vítima seria puxada para dentro da televisão e mostraria sua batalha para escapar. Uma história interessante que eu, como fã de podreira que sou, confesso que gostaria de ter visto acontecer. Com um pouco mais de empenho poderia ter saído um filme muito melhor e muito mais divertido. 


terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A Catedral (La Chiesa/The Church, 1989)






Diretor: Michele Soavi.
Roteiro: Michele Soavi, Dario Argento, Franco Ferrini, Lamberto Bava (não creditado), Fabrizio Bava (não creditado), Nick Alexander (não creditado),  M. R. James (não creditado), Dardano Sacchetti (não creditado).
Gênero: Horror
Duração: 102 minutos
País: Itália

Michele Soavi foi um dos cineastas mais promissores dos anos oitenta, já começando a ganhar notoriedade logo após seu primeiro trabalho, quando dirigiu um documentário sobre Dario Argento, o “Dario Argento’s World of Horror” (1985). Dois anos depois, com um orçamento reduzido, porém muita criatividade e talento, dirigiu seu primeiro longa de horror, “Deliria”, no qual estrelava no papel principal a atriz Barbara Cupisti, que antes já havia trabalhado com outro mestre do horror italiano, Lucio Fulci, no filme “The New York Ripper” (“Lo squartatore di New York”), no ano de 1982.

Amigo e um dos mentores de Soavi, Dario Argento foi o responsável por apostar no talento do jovem diretor bancando este seu segundo filme e também o coescrevendo. Além de Argento, o roteiro também passou por mais sete mãos, a do próprio Soavi e outras mais que não foram creditadas, como a de Lamberto Bava, filho de um dos maiores diretores de todo o gênero (se você realmente é fã de horror, diria até que de cinema como um todo, já deve saber de quem estou falando). De início, Argento queria que o filme fizesse parte da franquia “Demons”, iniciada por Lamberto Bava em 1985 e que ganhou uma segunda parte logo um ano depois. Soavi, por outro lado, não queria que seu filme fizesse parte da franquia, pois queria trabalhar os conceitos do filme, como possessão demoníaca e afins, de maneira diferente da trabalhada por Lamberto em seu filme. Soavi queria, portanto, algo mais artístico. Sem problemas nem nada, no final saiu da maneira como gostaria. 


  

O filme começa na idade média, já mostrando cavaleiros teutônicos matando pessoas acusadas de bruxaria e de fazerem pactos com o demônio, de modo a não perder tempo e com Soavi já mostrando a que veio. Com mortes violentas, como a de um aldeão que tem sua cabeça decapitada para depois aparecer sendo pisoteada pelos outros cavalos, e ângulos de câmeras inventivos para época, incluindo câmeras subjetivas de dentro do elmo dos cavaleiros, pelos quais o espectador vê toda atrocidade acontecendo, já dá para ter ideia do que está por vir.

Após a perseguição e morte de todas as pessoas acusadas de magia negra, uma enorme vala é aberta, dentro da qual são jogados os corpos para em seguida ser coberta e selada com uma enorme cruz cuja finalidade é impedir que os espíritos malignos e demônios saiam ali de dentro. Corta a cena e então a história pula para os dias atuais, apresentando o personagem Evan (Tomas Arana), novo bibliotecário e especialista em livros que será responsável por catalogar todos as obras presentes naquela igreja. Logo de sua chegada, Evan conhece Lisa (Barbara Cupisti), que já há um tempo lidera um trabalho de restauração naquele local. Graças a Lisa, aliás, alguns túneis e passagens secretas são descobertos no subsolo e interior da igreja, que servem para as escapadas noturnas de Lotte, interpretada por uma jovem Asia Argento em seu terceiro trabalho para o cinema (os anteriores foram “Demons 2”, de Lamberto Bava; e “Zoo”, de Cristina Comencini).



Além das descobertas dos túneis, Lisa também descobre um pergaminho com uma escrita, a princípio, indecifrável, e a entrega a Evan que, após algum tempo trabalhando naquilo, decifra-as para então descobrir que há coisas escondidas sob o solo da igreja, no entanto o pergaminho não especifica o quê. Então tomado por um sentimento de ganância por achar que pode haver um tesouro escondido, Evan passa a procurá-lo e acaba encontrando a cruz que foi posta no chão algumas centenas de anos atrás. Após mexer por algum tempo no objeto, acaba descobrindo uma maneira de abri-lo, libertando assim os demônios que infestam a igreja passando a atormentar e a possuir as pessoas que rondam o local. 


 
As pessoas então passam a enxergar coisas que não existem, pois assumem um aspecto delirante causado pelas ações dos demônios, como por exemplo, quando um personagem é morto por uma espécie de “triturador” de concreto para depois aparecer vivo e logo cometer um homicídio que, aliás, é um dos mais interessantes de todo o filme. Por causa disso que coisas acontecem numa cena para na outra parecer que nada tinha acontecido. A cena onde um peixe gigante sai de um jarro de água para "comer" o rosto de um dos personagens corrobora essa ideia, pois, enquanto a câmera assume a visão do personagem perturbado, que está tento o rosto devorado, o espectador também vê o peixe, mas quando a câmera assume a visão de uma pessoa normal, ela apenas vê uma pessoa maluca se debatendo com a mão em seu rosto nu. Isso é um artifício interessante para trazer o espectador para dentro dessa confusão mental pela qual essas pessoas atormentadas pelo demônio passam. Por outro lado, é correto afirmar que o roteiro também não tem a mínima vontade de explicar algumas situações que, em certo ponto, mostram-se um pouco confusas e desconexas. 



Soavi e Argento queriam que a história fosse filmada na igreja medieval de St. Lawrence, na cidade de Nuremberg, na Alemanha. Chegaram a fazer alguns testes no local, no entanto a ideia teve de ser abandonada, pois os cidadãos da cidade não estavam muito contentes com a ideia de um filme de terror sendo rodado ali. Então como segunda opção foi escolhida a Igreja Mathias, da cidade de Budapeste, na Hungria, por possuir traços arquitetônicos um pouco semelhantes com o plano original e que veio a satisfazer tanto o diretor quanto o produtor após a negativa da primeira cidade.

O fato de o roteiro ter tido as mãos de Lamberto Bava como uma das atuantes, fez com que a história se assemelhasse um pouco com seu filme mais icônico (e um dos mais icônicos dos anos oitenta) “Demons”. Neste - sem entrar em detalhes -, um grupo de pessoas fica preso num cinema após alguns acontecimentos macabros, fazendo com que cada uma dessas pessoas fosse morta por forças demoníacas que infestam o lugar após esse episódio macabro; já em “The Church” acontece algo parecido só que, obviamente, na igreja, onde pessoas como uma modelo que está ali sendo fotografada, crianças de uma excursão, um casal de idosos, etc. são mortos através das piores maneiras possíveis, também por forças demoníacas. Algumas semelhanças, aliás, fizeram com que o filme recebesse o título picareta “Demons 3” nos Estados Unidos, mesmo sem ter quaisquer relações com a franquia já citada acima. 



Mesmo com algumas semelhanças, é bom destacar que o filme caminha com suas próprias pernas, apesar de alguns picaretas terem tido essa brilhante ideia do título, talvez para tentarem lucrar mais. O filme caminha com as próprias pernas pois, primeiro, o tom inferido ao filme, como já dito, é um tom mais artístico; segundo e mais importante, é porque Soavi já tinha demonstrado ter uma assinatura própria. É fácil de saber quais filmes foram dirigidos pelo diretor. Uma de suas características mais marcantes e a que o fez entrar no hall dos grandes: não existe foco total em seus protagonistas, e isso pode ser visto em toda sua filmografia. Isso significa que nem todo personagem que tem um foco narrativo central, logo de início, é o protagonista. Soavi, aliás, gosta de brincar com isso, levando o público para um lado para só depois mostrar que não é aquilo o que pretende e que o foco está no outro lado. Subvertendo as expectativas do espectador. Desta maneira, o roteiro trabalho de modo a enganar a quem assiste ao filme, desenvolvendo as características de um provável protagonista levando-o até o ponto no qual será morto, para só então mostrar que o verdadeiro protagonista estava ali no canto, quieto, só esperando a oportunidade certa de aparecer e resolver o problema. É um artifício belamente utilizado e que poucos sabem desenvolver tão bem.  

A trilha sonora, muito interessante, aliás, ficou a cargo dos já colaboradores de longa data do Argento, a banda italiana de rock progressivo Goblin, além também de Keith Emerson, pianista e compositor britânico fundador da banda também de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer. Vale mencionar também que Soavi faz uma ponta como policial, na cena em que recebe um pedido de ajuda vindo da casa de Lisa. 

 
"A Catedral", no fim das contas, mostra-se como um bom filme com algumas boas qualidades que, postas na balança, superam seus problemas. Problemas estes que residem no fato de o roteiro ter passado por muitas mãos, que empregaram situações que, por muitas vezes, tornam-se confusas e infundadas do ponto de vista narrativo, uma vez que não explicam nada daquilo que deveria ser explicado.


Sessão Dupla: Os Goonies (1985) e Conta Comigo (1986)

      Os Goonies (The Goonies, 1985) – Richard Donner Conta Comigo (Stand by Me, 1986) – Rob Reiner Dentre as várias combinações possíveis...