(Forbidden Planet, 1956)
Diretor: Fred M. Wilcox
Roteirista: Cyril Hume, Irving Block
(conto) e Allen Adler (conto)
Gênero:
Ficção Científica
Duração: 98
minutos
País:
Estados Unidos
O Cinemascope foi criado em 1953 pela Twentieth Century Fox,
através das lentes anamórficas desenvolvidas pelo professor francês Henri
Chrétien. Em suma, essas lentes distorciam a imagem numa película de 35 mm que,
quando exibidas nos cinemas, uma nova lente anamórfica expandia na tela a
imagem no seu formato original. Essa nova razão de aspecto permitia a gravação
de filmes no formado widescreem numa incrível razão de 2.66:1, que chegava a
ser até duas vezes mais larga que a razão usada anteriormente, abrangendo muito
mais imagem e proporcionando uma experiência mais imersiva ao público. Foi
primeiramente usada no faroeste “Os Brutos Também Amam” (1953), de George
Stevens, e posteriormente em outros grandes filmes, como “20.000 Léguas
Submarinas” (1954), de Richard Fleischer, e outros mais. Então em 1956 foi
utilizada num dos melhores e mais emblemáticos sci-fis desta década, “Planeta
Proibido”.
Essa obra de Fred M. Wilcox foi a primeira ficção científica séria a usar de um orçamento mais inchado – algo em
torno dos dois milhões de dólares, que é considerado muito à época –, além dos
melhores efeitos visuais disponíveis, dentre outras coisas. É uma das produções
mais cuidadosamente bem feitas, com cenários majestosos, design de produção
criativo, um elenco maior e uma história ainda mais ambiciosa que trata de
temas filosóficos e diretos sobre a espécie humana. Na verdade é um filme ainda
muito atual em todas as suas camadas, que ainda hoje serve de reflexão a nós,
seres humanos egoístas que não pensamos em ninguém além do nosso próprio umbigo.
Inspirado no conto de Irving Block e Allen Adler (“Planeta
Fatal”), o filme conta história de um grupo de resgate designado a investigar o
que poderia ter acontecido com a nave Belerofonte há vinte anos no planeta Altair
IV. A nave então faz contato com o Dr. Morbius (Walter Pidgeon). Um eremita
misterioso que tem vivido naquele planeta por muitos anos, apenas ele e sua
bela filha Altaira Morbius (Anne Francis). Inicialmente Dr. Morbius diz para a
nave não aterrissar porque o planeta é muito hostil e perigoso, no entanto eles
optam por correr o risco. A nave – que é um disco voador, vale ressaltar –
acaba aterrissando bem e a tripulação do Comandante Adams (Leslie Nielsen) é
hospitaleiramente recebida pelo Dr., que lhes apresenta seu robô Robby e logo
conta que, naquela época, vinte anos atrás, sua nave foi destruída por forças
invisíveis as quais mataram toda a tripulação, com exceção, é claro, dele
próprio e sua esposa.
Claro que o comandante Adams não ia acreditar nas palavras
do Dr., passando então a comandar uma investigação para saber se o que Morbius
fala é verdade. Com a investigação, o comandante começa a conhecer mais sobre a
história do planeta, inclusive de sua antiga civilização, os Krell. Uma
civilização cuja ética e tecnologia estavam milhares de anos a nossa frente.
Uma raça extremamente avançada, “quase divina”, como diz Morbius que, ao longo
da trama, vai mostrando a Adams sua pesquisa acerca desse misterioso povo e os
motivos pelos quais, de uma hora para a outra, os levaram a extinção. O interessante
é que, após muito investigar, Adams descobre que a causa da dizimação dos Krell
é a mesma que ronda o planeta amedrontando Morbius e sua filha.
O roteiro não se apressa em contar a história, calmamente
apresentando e desenvolvendo os personagens sem atropelar os fatos. A ação,
portanto, demora a acontecer – e quando acontece não decepciona, diga-se de
passagem –, pois o diretor se preocupa em propor um ritmo com o qual consiga
trabalhar os elementos de maneira a satisfazer o pensamento filosófico e
psicológico da trama, ou seja, é priorizada aqui a substância sobre a ação. O
que é muito bom, pois quando surgem as cenas de ação, elas passam a ter significado, ou seja, não são cenas vazias para angariar público apenas. Isso, por outro lado, não quer dizer que a ação não esteja lá,
pelo contrário, está, sim, porém não é o foco central. Graças a um diretor empenhado e a um excelente
roteirista, podemos desfrutar de uma obra filosoficamente muito rica. Tão rica
que, até então, nenhuma outra havia trabalhado esses elementos dessa maneira
tão intensa, fazendo deste, portanto, pioneiro nessa maneira de se fazer
ficção. Isso contribuiu enormemente para que o filme servisse de inspiração e
influencia para obras posteriores – ainda tem servido de inspiração, aliás –, sendo,
talvez, a ficção mais influente e copiada, tornando-se um marco no gênero.
As vontades individuais em detrimento do que é correto é
retratado brilhantemente através dessa forma invisível. Afinal o egoísmo e
ciúme fizeram surgir forças que, além de seu controle, causam destruição em
massa e até destruição particular. Por exemplo, quando Altaira começa e esboçar
a vontade de deixar seu pai para ir para terra com a tripulação do comandante
Adams, Dr. Morbius passa a desenvolver sua ira que, aos poucos, propaga-se de
modo a trazer essa força invisível para sua casa quase a matando. As atitudes
iniciais de alguns dos homens do comandante também são extremamente
reprováveis. Cada um tentando se aproveitar da inocência e pureza de Altaira,
que nunca havia visto outro ser humano além do pai antes. É o ser humano retratado
em sua verdadeira forma. Como já dizia Maquiavel em sua obra “O Príncipe”, "O
homem é mau por natureza, a menos que precise ser bom". Portanto tentam
tirar o máximo de proveito possível em detrimento dos outros para satisfazer
algumas de suas vontades egoístas, tentando passar uma imagem de bonzinho que
não corresponde a sua verdadeira natureza.
Essa forma invisível, aliás, tem um embasamento muito forte
na psicanálise. Por exemplo, no momento quando o Tenente Ostrow (Warren Stevens)
descobre que os Krell construíram uma enorme máquina capaz projetar suas mentes
(não literalmente), descobre-se que essa criação foi sua ruína, pois eles não
contavam que isso traria “monstros” perigosos, “os monstros do id”, como diz o
próprio Ostrow. Isso explica muito do comportamento de alguns personagens. A
grosso modo, o ID é um dos componentes que constituem a psique humana,
responsável pelos desejos e vontades primitivas que formam o prazer. É
importante ressaltar que todos os seres humanos já nascem com isto. A partir
deste, formam-se os outros dois constituintes da psique, que são eles o Ego e o
Superego respectivamente. Ambos são desenvolvidos ao longo do desenvolvimento
do indivíduo. O Ego é responsável por equilibrar os impulsos do ID, de modo a
tentar satisfazer a esses impulsos primitivos de maneira realista, mantendo a
pessoa em seu estado de sanidade. É responsável pela interação humana com o
ambiente. Já o Superego surge do Ego e é o contrário do ID, sendo responsável
pelo “senso do dever”, inibindo, por exemplo, o que poderia vir a tornar-se um
comportamento inadequado. É basicamente aquela “voz” que diz que não se pode
fazer alguma coisa porque aquilo é errado.
Todos esses conceitos da psicanálise explicam não só o
motivo pelo qual os Krell foram extintos, como também explicam as atitudes de
muitos daqueles personagens, como aqueles que tentam tirar vantagem de Altaira,
levando-a a beijá-los para simplesmente satisfazer seus desejos sexuais primais, talvez pela falha justificativa de que há muito não têm tido contato com outra mulher pelo fato de estarem isolados na nave por muito tempo. O ID se
sobressai sobre os outros componentes, levando-os a apresentar esses e outros
desejos primais que normalmente seriam inibidos (ou balanceados) pelos outros
dois, criando perigosos e destrutivos monstros. É fascinante como o roteiro minuciosamente toma cuidado ao inserir esses temas
tão importantes, e tudo se torna ainda mais interessante a partir do momento em que as substâncias e
camadas da obra são intercaladas com uma excelente direção que corrobora tudo isso. Todas as áreas
responsáveis por criar o filme estão em sintonia, como a direção de arte, cinematografia, etc. É maravilhoso mergulhar nessas camadas tão bem construídas, explorando-as até conseguir extrair o máximo que puder delas. É o tipo de filme que permite isso.
Os belíssimos cenários, muitos deles criados e pintados a
mão, conferem a trama verossimilhança, dialogando com os personagens e suas
camadas e, claro, com a própria história. Essa nova razão de aspecto, Cinemascope
brevemente explicado na introdução, surgida três anos antes, maximiza a
experiência de modo a sobressaltar os cenários proporcionando mais campo de
visão de modo a ampliar eficientemente os contornos da história. As pinturas a
mão que compõem o fundo dos cenários, por exemplo, permitem uma profundidade de
campo capaz de permitir bonitos zoons de modo a não perder em momento algum o
foco – tanto do espectador quando da própria lente da câmera também – desses
elementos mais profundos que, por sua vez, ajudam a criar uma trama imersiva para
a qual somos transportados sem muito esforço. Somam-se a isso os personagens
muito bem desenvolvidos para que se crie o sentimento de empatia para com eles
elevando ainda mais as qualidades da obra. Esse sentimento de empatia é inclusive
desenvolvido para com o simpático robô Robby, que é muito mais do que um mero robô. Aqui
ele faz parte definitiva da trama, contribuindo com seu desenvolvimento e
progresso, não é um mero utensílio, ele tem valor narrativo. Seu design é um
show a parte e merece menção, também. Não é à toa que se tornou uma das
criaturas mais icônicas do gênero.
“Planeta Proibido” continua impressionando ainda nos dias de
hoje, com uma história cheia de camadas com personagens cativantes e lindas
doses de filosofia e psicanálise extremamente bem desenvolvidas pelo roteiro,
conferindo a este não só o posto de um dos melhores (ouso até dizer O melhor)
sci-fi da década de cinquenta, como um dos melhores da história. Foi um divisor
de águas no que tange o orçamento mais inflado que proporcionou a criação de
cenários mais complexos, mas principalmente pela substância da trama, que nos
leva cada vez mais a camadas mais profundas a serem exploradas.
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