quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Planeta Proibido (Forbidden Planet, 1956)






(Forbidden Planet, 1956)
Diretor: Fred M. Wilcox
Roteirista: Cyril Hume, Irving Block (conto) e Allen Adler (conto)
Gênero: Ficção Científica
Duração: 98 minutos
País: Estados Unidos

O Cinemascope foi criado em 1953 pela Twentieth Century Fox, através das lentes anamórficas desenvolvidas pelo professor francês Henri Chrétien. Em suma, essas lentes distorciam a imagem numa película de 35 mm que, quando exibidas nos cinemas, uma nova lente anamórfica expandia na tela a imagem no seu formato original. Essa nova razão de aspecto permitia a gravação de filmes no formado widescreem numa incrível razão de 2.66:1, que chegava a ser até duas vezes mais larga que a razão usada anteriormente, abrangendo muito mais imagem e proporcionando uma experiência mais imersiva ao público. Foi primeiramente usada no faroeste “Os Brutos Também Amam” (1953), de George Stevens, e posteriormente em outros grandes filmes, como “20.000 Léguas Submarinas” (1954), de Richard Fleischer, e outros mais. Então em 1956 foi utilizada num dos melhores e mais emblemáticos sci-fis desta década, “Planeta Proibido”. 

 
Essa obra de Fred M. Wilcox foi a primeira ficção científica séria a usar de um orçamento mais inchado – algo em torno dos dois milhões de dólares, que é considerado muito à época –, além dos melhores efeitos visuais disponíveis, dentre outras coisas. É uma das produções mais cuidadosamente bem feitas, com cenários majestosos, design de produção criativo, um elenco maior e uma história ainda mais ambiciosa que trata de temas filosóficos e diretos sobre a espécie humana. Na verdade é um filme ainda muito atual em todas as suas camadas, que ainda hoje serve de reflexão a nós, seres humanos egoístas que não pensamos em ninguém além do nosso próprio umbigo.

Inspirado no conto de Irving Block e Allen Adler (“Planeta Fatal”), o filme conta história de um grupo de resgate designado a investigar o que poderia ter acontecido com a nave Belerofonte há vinte anos no planeta Altair IV. A nave então faz contato com o Dr. Morbius (Walter Pidgeon). Um eremita misterioso que tem vivido naquele planeta por muitos anos, apenas ele e sua bela filha Altaira Morbius (Anne Francis). Inicialmente Dr. Morbius diz para a nave não aterrissar porque o planeta é muito hostil e perigoso, no entanto eles optam por correr o risco. A nave – que é um disco voador, vale ressaltar – acaba aterrissando bem e a tripulação do Comandante Adams (Leslie Nielsen) é hospitaleiramente recebida pelo Dr., que lhes apresenta seu robô Robby e logo conta que, naquela época, vinte anos atrás, sua nave foi destruída por forças invisíveis as quais mataram toda a tripulação, com exceção, é claro, dele próprio e sua esposa. 




Claro que o comandante Adams não ia acreditar nas palavras do Dr., passando então a comandar uma investigação para saber se o que Morbius fala é verdade. Com a investigação, o comandante começa a conhecer mais sobre a história do planeta, inclusive de sua antiga civilização, os Krell. Uma civilização cuja ética e tecnologia estavam milhares de anos a nossa frente. Uma raça extremamente avançada, “quase divina”, como diz Morbius que, ao longo da trama, vai mostrando a Adams sua pesquisa acerca desse misterioso povo e os motivos pelos quais, de uma hora para a outra, os levaram a extinção. O interessante é que, após muito investigar, Adams descobre que a causa da dizimação dos Krell é a mesma que ronda o planeta amedrontando Morbius e sua filha.



O roteiro não se apressa em contar a história, calmamente apresentando e desenvolvendo os personagens sem atropelar os fatos. A ação, portanto, demora a acontecer – e quando acontece não decepciona, diga-se de passagem –, pois o diretor se preocupa em propor um ritmo com o qual consiga trabalhar os elementos de maneira a satisfazer o pensamento filosófico e psicológico da trama, ou seja, é priorizada aqui a substância sobre a ação. O que é muito bom, pois quando surgem as cenas de ação, elas passam a ter significado, ou seja, não são cenas vazias para angariar público apenas. Isso, por outro lado, não quer dizer que a ação não esteja lá, pelo contrário, está, sim, porém não é o foco central. Graças a um diretor empenhado e a um excelente roteirista, podemos desfrutar de uma obra filosoficamente muito rica. Tão rica que, até então, nenhuma outra havia trabalhado esses elementos dessa maneira tão intensa, fazendo deste, portanto, pioneiro nessa maneira de se fazer ficção. Isso contribuiu enormemente para que o filme servisse de inspiração e influencia para obras posteriores – ainda tem servido de inspiração, aliás –, sendo, talvez, a ficção mais influente e copiada, tornando-se um marco no gênero.

As vontades individuais em detrimento do que é correto é retratado brilhantemente através dessa forma invisível. Afinal o egoísmo e ciúme fizeram surgir forças que, além de seu controle, causam destruição em massa e até destruição particular. Por exemplo, quando Altaira começa e esboçar a vontade de deixar seu pai para ir para terra com a tripulação do comandante Adams, Dr. Morbius passa a desenvolver sua ira que, aos poucos, propaga-se de modo a trazer essa força invisível para sua casa quase a matando. As atitudes iniciais de alguns dos homens do comandante também são extremamente reprováveis. Cada um tentando se aproveitar da inocência e pureza de Altaira, que nunca havia visto outro ser humano além do pai antes. É o ser humano retratado em sua verdadeira forma. Como já dizia Maquiavel em sua obra “O Príncipe”, "O homem é mau por natureza, a menos que precise ser bom". Portanto tentam tirar o máximo de proveito possível em detrimento dos outros para satisfazer algumas de suas vontades egoístas, tentando passar uma imagem de bonzinho que não corresponde a sua verdadeira natureza.



 
Essa forma invisível, aliás, tem um embasamento muito forte na psicanálise. Por exemplo, no momento quando o Tenente Ostrow (Warren Stevens) descobre que os Krell construíram uma enorme máquina capaz projetar suas mentes (não literalmente), descobre-se que essa criação foi sua ruína, pois eles não contavam que isso traria “monstros” perigosos, “os monstros do id”, como diz o próprio Ostrow. Isso explica muito do comportamento de alguns personagens. A grosso modo, o ID é um dos componentes que constituem a psique humana, responsável pelos desejos e vontades primitivas que formam o prazer. É importante ressaltar que todos os seres humanos já nascem com isto. A partir deste, formam-se os outros dois constituintes da psique, que são eles o Ego e o Superego respectivamente. Ambos são desenvolvidos ao longo do desenvolvimento do indivíduo. O Ego é responsável por equilibrar os impulsos do ID, de modo a tentar satisfazer a esses impulsos primitivos de maneira realista, mantendo a pessoa em seu estado de sanidade. É responsável pela interação humana com o ambiente. Já o Superego surge do Ego e é o contrário do ID, sendo responsável pelo “senso do dever”, inibindo, por exemplo, o que poderia vir a tornar-se um comportamento inadequado. É basicamente aquela “voz” que diz que não se pode fazer alguma coisa porque aquilo é errado.

Todos esses conceitos da psicanálise explicam não só o motivo pelo qual os Krell foram extintos, como também explicam as atitudes de muitos daqueles personagens, como aqueles que tentam tirar vantagem de Altaira, levando-a a beijá-los para simplesmente satisfazer seus desejos sexuais primais, talvez pela falha justificativa de que há muito não têm tido contato com outra mulher pelo fato de estarem isolados na nave por muito tempo. O ID se sobressai sobre os outros componentes, levando-os a apresentar esses e outros desejos primais que normalmente seriam inibidos (ou balanceados) pelos outros dois, criando perigosos e destrutivos monstros. É fascinante como o roteiro minuciosamente toma cuidado ao inserir esses temas tão importantes, e tudo se torna ainda mais interessante a partir do momento em que as substâncias e camadas da obra são intercaladas com uma excelente direção que corrobora tudo isso. Todas as áreas responsáveis por criar o filme estão em sintonia, como a direção de arte, cinematografia, etc. É maravilhoso mergulhar nessas camadas tão bem construídas, explorando-as até conseguir extrair o máximo que puder delas. É o tipo de filme que permite isso.



Os belíssimos cenários, muitos deles criados e pintados a mão, conferem a trama verossimilhança, dialogando com os personagens e suas camadas e, claro, com a própria história. Essa nova razão de aspecto, Cinemascope brevemente explicado na introdução, surgida três anos antes, maximiza a experiência de modo a sobressaltar os cenários proporcionando mais campo de visão de modo a ampliar eficientemente os contornos da história. As pinturas a mão que compõem o fundo dos cenários, por exemplo, permitem uma profundidade de campo capaz de permitir bonitos zoons de modo a não perder em momento algum o foco – tanto do espectador quando da própria lente da câmera também – desses elementos mais profundos que, por sua vez, ajudam a criar uma trama imersiva para a qual somos transportados sem muito esforço. Somam-se a isso os personagens muito bem desenvolvidos para que se crie o sentimento de empatia para com eles elevando ainda mais as qualidades da obra. Esse sentimento de empatia é inclusive desenvolvido para com o simpático robô Robby, que é muito mais do que um mero robô. Aqui ele faz parte definitiva da trama, contribuindo com seu desenvolvimento e progresso, não é um mero utensílio, ele tem valor narrativo. Seu design é um show a parte e merece menção, também. Não é à toa que se tornou uma das criaturas mais icônicas do gênero. 



Planeta Proibido” continua impressionando ainda nos dias de hoje, com uma história cheia de camadas com personagens cativantes e lindas doses de filosofia e psicanálise extremamente bem desenvolvidas pelo roteiro, conferindo a este não só o posto de um dos melhores (ouso até dizer O melhor) sci-fi da década de cinquenta, como um dos melhores da história. Foi um divisor de águas no que tange o orçamento mais inflado que proporcionou a criação de cenários mais complexos, mas principalmente pela substância da trama, que nos leva cada vez mais a camadas mais profundas a serem exploradas.


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