terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A Catedral (La Chiesa/The Church, 1989)






Diretor: Michele Soavi.
Roteiro: Michele Soavi, Dario Argento, Franco Ferrini, Lamberto Bava (não creditado), Fabrizio Bava (não creditado), Nick Alexander (não creditado),  M. R. James (não creditado), Dardano Sacchetti (não creditado).
Gênero: Horror
Duração: 102 minutos
País: Itália

Michele Soavi foi um dos cineastas mais promissores dos anos oitenta, já começando a ganhar notoriedade logo após seu primeiro trabalho, quando dirigiu um documentário sobre Dario Argento, o “Dario Argento’s World of Horror” (1985). Dois anos depois, com um orçamento reduzido, porém muita criatividade e talento, dirigiu seu primeiro longa de horror, “Deliria”, no qual estrelava no papel principal a atriz Barbara Cupisti, que antes já havia trabalhado com outro mestre do horror italiano, Lucio Fulci, no filme “The New York Ripper” (“Lo squartatore di New York”), no ano de 1982.

Amigo e um dos mentores de Soavi, Dario Argento foi o responsável por apostar no talento do jovem diretor bancando este seu segundo filme e também o coescrevendo. Além de Argento, o roteiro também passou por mais sete mãos, a do próprio Soavi e outras mais que não foram creditadas, como a de Lamberto Bava, filho de um dos maiores diretores de todo o gênero (se você realmente é fã de horror, diria até que de cinema como um todo, já deve saber de quem estou falando). De início, Argento queria que o filme fizesse parte da franquia “Demons”, iniciada por Lamberto Bava em 1985 e que ganhou uma segunda parte logo um ano depois. Soavi, por outro lado, não queria que seu filme fizesse parte da franquia, pois queria trabalhar os conceitos do filme, como possessão demoníaca e afins, de maneira diferente da trabalhada por Lamberto em seu filme. Soavi queria, portanto, algo mais artístico. Sem problemas nem nada, no final saiu da maneira como gostaria. 


  

O filme começa na idade média, já mostrando cavaleiros teutônicos matando pessoas acusadas de bruxaria e de fazerem pactos com o demônio, de modo a não perder tempo e com Soavi já mostrando a que veio. Com mortes violentas, como a de um aldeão que tem sua cabeça decapitada para depois aparecer sendo pisoteada pelos outros cavalos, e ângulos de câmeras inventivos para época, incluindo câmeras subjetivas de dentro do elmo dos cavaleiros, pelos quais o espectador vê toda atrocidade acontecendo, já dá para ter ideia do que está por vir.

Após a perseguição e morte de todas as pessoas acusadas de magia negra, uma enorme vala é aberta, dentro da qual são jogados os corpos para em seguida ser coberta e selada com uma enorme cruz cuja finalidade é impedir que os espíritos malignos e demônios saiam ali de dentro. Corta a cena e então a história pula para os dias atuais, apresentando o personagem Evan (Tomas Arana), novo bibliotecário e especialista em livros que será responsável por catalogar todos as obras presentes naquela igreja. Logo de sua chegada, Evan conhece Lisa (Barbara Cupisti), que já há um tempo lidera um trabalho de restauração naquele local. Graças a Lisa, aliás, alguns túneis e passagens secretas são descobertos no subsolo e interior da igreja, que servem para as escapadas noturnas de Lotte, interpretada por uma jovem Asia Argento em seu terceiro trabalho para o cinema (os anteriores foram “Demons 2”, de Lamberto Bava; e “Zoo”, de Cristina Comencini).



Além das descobertas dos túneis, Lisa também descobre um pergaminho com uma escrita, a princípio, indecifrável, e a entrega a Evan que, após algum tempo trabalhando naquilo, decifra-as para então descobrir que há coisas escondidas sob o solo da igreja, no entanto o pergaminho não especifica o quê. Então tomado por um sentimento de ganância por achar que pode haver um tesouro escondido, Evan passa a procurá-lo e acaba encontrando a cruz que foi posta no chão algumas centenas de anos atrás. Após mexer por algum tempo no objeto, acaba descobrindo uma maneira de abri-lo, libertando assim os demônios que infestam a igreja passando a atormentar e a possuir as pessoas que rondam o local. 


 
As pessoas então passam a enxergar coisas que não existem, pois assumem um aspecto delirante causado pelas ações dos demônios, como por exemplo, quando um personagem é morto por uma espécie de “triturador” de concreto para depois aparecer vivo e logo cometer um homicídio que, aliás, é um dos mais interessantes de todo o filme. Por causa disso que coisas acontecem numa cena para na outra parecer que nada tinha acontecido. A cena onde um peixe gigante sai de um jarro de água para "comer" o rosto de um dos personagens corrobora essa ideia, pois, enquanto a câmera assume a visão do personagem perturbado, que está tento o rosto devorado, o espectador também vê o peixe, mas quando a câmera assume a visão de uma pessoa normal, ela apenas vê uma pessoa maluca se debatendo com a mão em seu rosto nu. Isso é um artifício interessante para trazer o espectador para dentro dessa confusão mental pela qual essas pessoas atormentadas pelo demônio passam. Por outro lado, é correto afirmar que o roteiro também não tem a mínima vontade de explicar algumas situações que, em certo ponto, mostram-se um pouco confusas e desconexas. 



Soavi e Argento queriam que a história fosse filmada na igreja medieval de St. Lawrence, na cidade de Nuremberg, na Alemanha. Chegaram a fazer alguns testes no local, no entanto a ideia teve de ser abandonada, pois os cidadãos da cidade não estavam muito contentes com a ideia de um filme de terror sendo rodado ali. Então como segunda opção foi escolhida a Igreja Mathias, da cidade de Budapeste, na Hungria, por possuir traços arquitetônicos um pouco semelhantes com o plano original e que veio a satisfazer tanto o diretor quanto o produtor após a negativa da primeira cidade.

O fato de o roteiro ter tido as mãos de Lamberto Bava como uma das atuantes, fez com que a história se assemelhasse um pouco com seu filme mais icônico (e um dos mais icônicos dos anos oitenta) “Demons”. Neste - sem entrar em detalhes -, um grupo de pessoas fica preso num cinema após alguns acontecimentos macabros, fazendo com que cada uma dessas pessoas fosse morta por forças demoníacas que infestam o lugar após esse episódio macabro; já em “The Church” acontece algo parecido só que, obviamente, na igreja, onde pessoas como uma modelo que está ali sendo fotografada, crianças de uma excursão, um casal de idosos, etc. são mortos através das piores maneiras possíveis, também por forças demoníacas. Algumas semelhanças, aliás, fizeram com que o filme recebesse o título picareta “Demons 3” nos Estados Unidos, mesmo sem ter quaisquer relações com a franquia já citada acima. 



Mesmo com algumas semelhanças, é bom destacar que o filme caminha com suas próprias pernas, apesar de alguns picaretas terem tido essa brilhante ideia do título, talvez para tentarem lucrar mais. O filme caminha com as próprias pernas pois, primeiro, o tom inferido ao filme, como já dito, é um tom mais artístico; segundo e mais importante, é porque Soavi já tinha demonstrado ter uma assinatura própria. É fácil de saber quais filmes foram dirigidos pelo diretor. Uma de suas características mais marcantes e a que o fez entrar no hall dos grandes: não existe foco total em seus protagonistas, e isso pode ser visto em toda sua filmografia. Isso significa que nem todo personagem que tem um foco narrativo central, logo de início, é o protagonista. Soavi, aliás, gosta de brincar com isso, levando o público para um lado para só depois mostrar que não é aquilo o que pretende e que o foco está no outro lado. Subvertendo as expectativas do espectador. Desta maneira, o roteiro trabalho de modo a enganar a quem assiste ao filme, desenvolvendo as características de um provável protagonista levando-o até o ponto no qual será morto, para só então mostrar que o verdadeiro protagonista estava ali no canto, quieto, só esperando a oportunidade certa de aparecer e resolver o problema. É um artifício belamente utilizado e que poucos sabem desenvolver tão bem.  

A trilha sonora, muito interessante, aliás, ficou a cargo dos já colaboradores de longa data do Argento, a banda italiana de rock progressivo Goblin, além também de Keith Emerson, pianista e compositor britânico fundador da banda também de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer. Vale mencionar também que Soavi faz uma ponta como policial, na cena em que recebe um pedido de ajuda vindo da casa de Lisa. 

 
"A Catedral", no fim das contas, mostra-se como um bom filme com algumas boas qualidades que, postas na balança, superam seus problemas. Problemas estes que residem no fato de o roteiro ter passado por muitas mãos, que empregaram situações que, por muitas vezes, tornam-se confusas e infundadas do ponto de vista narrativo, uma vez que não explicam nada daquilo que deveria ser explicado.


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