quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

O Enigma do Horizonte (Event Horizon, 1997)

 

Nota: ★½

Diretor: Paul W.S. Anderson
Roteirista: Philip Eisner
Elenco: Laurence Fishburne, Sam Neill, Kathleen Quinlan, Joely Richardson, Richard T. Jones, Jack Noseworthy, Jason Isaacs, Sean Pertwee, Peter Marinker, Holley Chant...
Gênero: Terror, Ficção Científica
Duração: 1h 36min
País: Reino Unido, Estados Unidos

Quando se fala em ficção científica, o primeiro filme que vem à mente da maioria das pessoas, quando se trata de explicações sobre as leis do universo, é “Interestelar”, dirigido pelo egocêntrico com síndrome de Kubrick, Christopher Nolan, em 2014. Um filme excelente, diga-se de passagem, mas que peca em alguns pontos tais como o exagero em torno de uma história de amor piegas, digna dos típicos filmes que passavam à noite na Globo no início dos anos 2000 e, assim como em todos os seus filmes, peca também no excesso de explicações sobre o que está acontecendo – quase de modo semelhante a uma aula do Telecurso 2000 (gosto muito dos filmes do diretor, mas não pude deixar de alfinetar um pouco). No entanto, alguns filmes que vieram antes (bem antes!) já traziam explicações interessantes sobre alguns conceitos, como, por exemplo, o da dobra no espaço-tempo (conhecido também como buraco de minhoca ou ponte de Einstein-Rosen). Já em 1997, por exemplo, em “O Enigma do Horizonte”, aquela explicação sobre a trajetória mais rápida entre dois pontos ser justamente essa dobra já havia sido dada e, aliás, da exata maneira pela qual Christopher Nolan utilizou em seu filme, pegando um pedaço de papel, furando as extremidades e depois dobrando-o para mostrar de que forma funcionaria. Basicamente, essa é uma das questões do filme abordado neste texto, dirigido por Paul W.S. Anderson.

O filme começa com a contextualização do que ocorreu: em 2015, os humanos fizeram a primeira colônia permanente na lua; em 2032, começaram a mineração comercial em Marte; em 2040, a nave espacial Event Horizon é lançada para explorar os limites do sistema solar, mas desaparece sem deixar vestígios ao passar da órbita de Netuno. Então, em 2047, uma nave de resgate é enviada para investigar o que pode ter acontecido e, ao encontrar a nave, que havia enviado um sinal de socorro antes, resgatar os tripulantes. Eles a encontram, mas, ao se aproximarem, percebem uma contradição: os sensores indicam que a temperatura dentro da Event Horizon é incompatível com a vida; no entanto, mostra sinais dela por toda a nave.

O capitão da nave de resgate é Miller (Laurence Fishburne), que leva consigo uma equipe grande e altamente treinada (mas, aparentemente, incapaz de entender, por exemplo, como funcionam os buracos de minhoca, o que leva o Dr. Weir – descrito logo em seguida – a dar a famosa explicação utilizando o papel, típica, convenhamos, de uma explicação do ensino fundamental), entre eles está o Dr. Weir (Sam Neill), responsável por projetar o propulsor gravitacional da nave desaparecida e, portanto, o único que pode dar explicações sobre o que pode ter causado o desaparecimento dela. O propulsor, aliás, é responsável por criar essa ponte, um buraco negro pelo qual a nave pode atravessar, para que assim possa viajar longas distâncias em apenas alguns segundos.

O diretor se inspirou em alguns autores, que vão de Clive Barker a Andrei Tarkovsky. No filme “Solaris” (1972), por exemplo, há uma estação espacial orbitando um grande planeta que, por algum motivo, faz com que a tripulação comece a ter alucinações. Tarkovsky desenvolve isso utilizando do subconsciente daquelas pessoas para causar confusão, o que, inclusive, é responsável por esse mistério, magistralmente desenvolvimento e aperfeiçoado ao longa da trama. Aqui, por outro lado, a própria nave é a responsável por causar as alucinações, e que tem mais a função de mostrar o horror pelo qual as pessoas na nave de resgate passaram, com cenas de violência e gore, do que se aprofundar em questões como o subconsciente – vale ressaltar que se aprofundar em tais questões nunca foi o objetivo aqui. Com Clive Barker, por exemplo, o diretor utiliza parte da estética de “Hellraiser”, bem como o conceito de inferno utilizado no filme. A nave Event Horizon, ao que parece, ultrapassou todos os limites e dimensões do universo, indo parar em um lugar que, pode-se afirmar, assemelha-se com o que é visto no filme de Clive Barker, que também foi consultor de Paul W.S. Anderson para este filme.

Projetado inicialmente para ter 130 minutos, a versão original foi tão brutal e violenta que o estúdio desistiu de lança-la. A Paramount, portanto, exigiu que Anderson fizesse um corte de 30 minutos e diminuísse um pouco a violência, o que, claro, foi feito. Mesmo assim, as cenas de violência que sobraram são muito boas e ajudam no desenvolvimento dentro do contexto estabelecido, inclusive aumentando a curiosidade com relação a essa outra dimensão na qual a nave foi parar: quais são os seres que ali vivem e por que agem desta forma? Se o estúdio não tivesse se acovardado (é incrível como muitos estúdios adoram interferir no produto final, o que infelizmente acontece com muita frequência e, pelo que a história já mostrou, sempre resultando no pior), certamente a versão original seria um banho de sangue e, com toda certeza, muito melhor do que a cópia picotada e remexida que se encontra por aí. 

Para se ter ideia, muitas das cenas perdidas incluíam as sequências no inferno, onde mais do que mutilação e gore, haveria também cenas de orgias. Seu amigo pessoal, Vadim Jean, ajudou-o a filmar algumas dessas cenas, onde fizeram principalmente nos fins de semana. De acordo com Jeremy Bolt, produtor do filme, eles (Anderson e Vadim) buscaram fazer tais cenas da forma mais bizarra e grotesca possível, pois acreditavam que, se fossem para criar uma demonstração do inferno, teriam de fazer da forma mais brutal possível, afinal o inferno não é um lugar qualquer. Com intuito de deixar as cenas realistas, foram contratados amputados da vida real, que foram equipados com bastante maquiagem e efeitos práticos, para fazerem as cenas onde apareciam partes de corpos danificadas, destroçadas e mutiladas, tudo para deixá-las mais extrema e mais próxima possível do que imaginavam ser aquele lugar. Fala-se, também, que alguns atores pornôs foram contratados para tornar as cenas de sexo e estupro mais gráficas. Em 2023, o ator Jason Isaacs (que interpreta o personagem D. J. na trama, o tripulante responsável pelas questões técnicas da nave) mencionou em uma entrevista que muito do que foi filmado foi feito em um estúdio adjacente e incluía coisas que hoje seriam definitivamente ilegais, e que talvez até fossem naquela época. Alguns membros da equipe tiveram inclusive de abandonar o set de filmagem após passarem mal. E segundo Anderson e Bolt, a escolha por parte do estúdio de cortar essas cenas veio após a sessão teste, onde muitos ficaram realmente perturbados pelo que viram. Então, o estúdio decidiu picotar a obra e diminuir a violência.

Em 2017 o diretor mencionou, em uma entrevista, que, após o lançamento, em 1997, o próprio chefe de produção da Paramount admitiu que foi um erro ter interferido no produto. Muito se deve ao fato de que, apesar de não ter ido bem nas bilheterias, as vendas em VHS e, posteriormente, em DVD foram altas. Por isso, o estúdio voltou atrás e tentou fazer com que o diretor lançasse a versão original, mais longa. Tanto Anderson quanto o produtor Jeremy Bolt trabalharam juntos nesse corte, percorrendo o mundo com o intuito de encontrar as filmagens originais. Algumas até foram encontradas, tantas outras em lugares incomuns, como uma que foi encontrada em uma mina de sal abandonada na Romênia. Apesar do local estranho, não foi tão ruim assim, uma vez que o clima seco ajudou a proteger o negativo da degradação (agora, como essa cópia foi parar lá, já é outra história e não é mencionada detalhadamente na entrevista).

Para o azar de todos, a grande maioria das filmagens originais foi destruída, descartada, ou teve sua localização indevidamente documentada, e por isso está perdida. Do que foi recuperado, grande parte acabou sendo mal arquivada e degradada de alguma forma. Algumas cenas, no entanto, sobreviveram, como aquelas em que o Dr. Weir é informado do reaparecimento da Event Horizon, e aparecem na Edição Especial de Colecionador em DVD, mas sobreviveram em formato de imagem VHS e, muitas delas, sem áudio. Uma cópia em VHS, por outro lado, foi encontrada há muito tempo e pode conter uma edição bruta do filme, embora o diretor não seja tão otimista assim em relação a isso e também à qualidade da imagem. Apesar disso, não descarta a possibilidade de que algum dia apareçam as filmagens com qualidade suficiente para serem usadas – o que aconteceu com Clive Barker e seu filme “Raça das Trevas” (1990), por exemplo.

Outro problema enfrentado pela equipe foi a data de lançamento, que tinha previsão de estreia nos cinemas, provavelmente, no final de 1997. No entanto, a Paramount, que passou a enfrentar atrasos com seu grande lançamento do ano, “Titanic, percebeu que não conseguiria lançá-lo em julho, conforme o planejamento inicial. Por isso, Anderson foi convidado a adiar a estreia para essa data, a fim de preencher a lacuna na programação de filmes de verão. Talvez pela ingenuidade, considerando que este era apenas seu terceiro filme, o diretor aceitou, acreditando que o estúdio lhe daria o apoio necessário para que sua produção competisse com os lançamentos da época. O que aconteceu, porém, foi o oposto: o filme foi aprovado apenas 10 semanas antes do início das filmagens. Ou seja, ele foi forçado a finalizar todo o design de produção às pressas. Essa urgência no cronograma fez com que muitos designers renomados recusassem o projeto. Mesmo assim, Anderson admite que o relativamente inexperiente Joseph Bennett conseguiu realizar um excelente trabalho. Com a agenda apertada, o diretor precisou supervisionar a produção praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana. As filmagens, por exemplo, foram concluídas após 28 dias, e a edição, que inicialmente teria um tempo maior, foi reduzida para 4 semanas, tudo isso acontecendo ao mesmo tempo em que, à noite, ele acompanhava o processo na sala edição. Com todos esses problemas no cronograma de pós-produção, que certamente afetaram o produto final, o maior desafio, segundo o diretor, foi que o estúdio queria uma grande bilheteira com o lançamento nessa janela de verão, mas o fato de o resultado ser "bastante angustiante e perturbador" dificultou sua venda.

O Enigma do Horizonte”, portanto, é um filme cuja história por trás acaba sendo, talvez, mais fascinante do que ele próprio. Independentemente dos percalços, Anderson conseguiu entregar um filme eletrizante e inquietante, principalmente a partir de sua segunda metade, com algum gore e uma história intrigante a respeito do mistério que envolve a nave e a dimensão para a qual ela foi. Há boas cenas no espaço, onde se vê Netuno, por exemplo, e suas composições são muito bonitas, inclusive as dentro da nave, que são bastante detalhadas, com excelente uso de efeitos especiais e práticos. O que evidencia que, apesar de todo o problema com o designer de produção apressado, o resultado final acabou mostrando-se bastante satisfatório. E, embora as arrecadações nas bilheterias tenham sido decepcionantes, hoje ele acumula o status de filme cult, com uma legião de fãs mundo afora, assim como previsto por Kurt Rusel no ano seguinte, antes das gravações de seu próximo filme, "O Soldado do Futuro" (protagonizado por Russel). E, apesar de algumas inconsistências perceptíveis na direção, esse status é de fato verdadeiro. É um filme que vale muito a pena ser visto, tanto pelo que é, quanto pelas histórias de bastidores. 

 


 

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